Accountability

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Accountability é uma ideia ou princípio que deve continuar ganhando cada vez mais relevância e atenção no Brasil. Para explicar do que trata esse importante conceito, que possui interesse tanto para a administração das empresas privadas quanto para a gestão dos recursos públicos, foi escrito esse texto.

significado de accountability

Definição de accountability

Não existe uma palavra na língua portuguesa com a qual se possa traduzir exatamente o significado que o termo “accountability”, originário da língua inglesa, possui. A ideia encerrada nesse termo é a de responsabilidade e prestação de contas ligadas a um comportamento ético.

O célebre dicionário Websters, em sua “definition” da palavra accountability, diz se tratar especialmente da obrigação de ou disposição a aceitar responsabilidade ou prestar contas (o verbo usado, “to account”, é definido pelo mesmo dicionário como “prestar análise justificadora ou explicação”) com relação às próprias ações. Como se pode ver, a ideia de que um indivíduo – ou grupo – deve se responsabilizar pelo que faz é central para o conceito de accountability.

Para que haja accountability, é preciso que haja uma parte que delega uma função a uma outra parte que, no desempenho das obrigações que assumiu, é obrigada a prestar contas de suas ações. Mais ainda: essa parte obrigada a prestar contas de seus atos é, também, obrigada a apresentar as motivações de suas ações e, em caso de irregularidades ou mau uso dos recursos que lhe foram confiados, ela pode sofrer sanções.

O conceito de accountability e sua relação com a Controladoria

O conceito de accountability, visto acima, está intimamente relacionado ao trabalho da Controladoria, pois esta, sob a liderança do controller, é responsável por conseguir e consolidar informações que sejam relevantes, verdadeiras e fornecidas a tempo de subsidiar a tomada de decisões por parte dos dirigentes da empresa. Atuando nesse papel, a Controladoria precisa identificar pontos da empresa que sofram de deficiências e possam ser melhorados para que a empresa elimine ou diminua os riscos a que está exposta e possa conseguir maiores lucros.

Além de analisar os desempenhos de outras áreas, analisar a viabilidade de projetos e fazer propostas que busquem a melhoria da produtividade, a Controladoria também acompanha a aplicação das medidas decididas pela empresa. Por todas as razões expostas, a Controladoria é um dos mais importantes setores da empresa quando se trata de accountability. Como será visto adiante, ela é especialmente relevante para o que se convencionou chamar accountability endógena, importante para que os dirigentes tenham acesso a informações que subsidiem suas decisões de modo que tenham as informações necessárias para avaliar os desempenhos das pessoas e equipes da empresa e possam entender os riscos e possibilidades que a instituição tem à sua frente.

Devido a suas funções, é importante que o gerente de Controladoria (controller) seja capaz de obter, organizar e expor de forma organizada e eficiente as informações relevantes para as decisões que devem ser tomadas.

O que é accountability na Contabilidade

Masayuki Nakagawa, em seu texto “Accountability: a razão de ser da contabilidade”, citou Ijiri, que afirmou que accountability é a razão de ser da Contabilidade, e Hendriksen e Breda, para quem a “accountability é o início e o fim da Contabilidade”. Mais ainda: Nakagawa afirmou que os dois tipos de accountabilidade aplicadas às empresas, accountability endógena e accountability exógena, estão relacionadas à Contabilidade.

A accountability exógena, explica o autor, é uma consequência da obrigação que tem o Conselho de Administração de prestar contas à Assembleia Geral Ordinária dos acionistas da empresa e aos stakeholders (basicamente, as partes interessadas na saúde da empresa, tais como investidores, empregados e fornecedores). Essa forma de accountability baseia-se na atividade de contabilização, que está sob responsabilidade dos contadores e tem como objetivo demonstrar que a instituição está seguindo as leis que regulam sua atuação.

Segundo Nakagawa, accountability endógena refere-se às práticas que visam dar aos dirigentes empresariais condições de prestar contas ao Conselho de Administração do plano estratégico de negócios. Essa modalidade de accounting acontece sob a responsabilidade de controllers ou contadores gerenciais, tipo de profissional já mencionado acima.

Accountability na administração pública

Discutindo o papel da accountability na gestão dos negócios públicos, Nakagawa cita Cameron, para quem a accountability é importante característica da boa governança no setor público, pois a obrigação em que ficam os administradores públicos de prestar contas de seus atos ajuda a prevenir ou a retificar as consequências do mau uso do poder estatal além de fornecer informações necessárias para que os eleitores avaliem as ações de seus representantes.

Segundo Samuel Paul, a accountability significa fazer com que indivíduos ou grupos possam ser responsabilizados por seus desempenhos. Assim, segundo esse autor, accountability pública refere-se aos mecanismos de que são lançados mão para que os serviços públicos tenham um determinado nível de qualidade.

Na opinião de Adam Przeworski, a accountability existe na administração pública quando é possível aos cidadãos distinguir quais são os agentes públicos que agem em favor dos interesses dos cidadãos. Dessa maneira, os eleitores podem votar naqueles que os favorecem e evitar votar naqueles governantes que os prejudicaram. Essa situação acaba por criar um incentivo para que os governantes comprometam-se com os interesses daqueles que eles foram eleitos para representar: os cidadãos.

Como explicado acima, a ideia de accountability baseia-se na existência de uma parte que delega uma obrigação, tarefa ou função e uma outra parte que recebe a obrigação, tarefa ou função. Quem recebe a delegação assume também algumas outras explicações.

A ideia de accountability, quando aplicada à administração dos negócios públicos, relaciona-se à ideia de que os cidadão são os verdadeiros titulares da coisa pública (aqueles que delegaram uma tarefa ou função) e que os políticos e outros agentes públicos apenas recebem a delegação de uma tarefa, que inclui o dever de usar os recursos públicos e o poder estatal delegados em benefício dos cidadãos. A correta utilização de recursos públicos é um fator de preocupação porque, lamentavelmente, é bastante comum que haja desvios de recursos públicos ou aplicação errada deles e, mesmo assim, punições aos responsáveis por esses desvios são raros.

A accountability pública é um caso específico do caso mais geral de accountability, que foi explicado no começo do texto. Por essa razão, na accountability aplicada à esfera pública, quase invariavelmente, como acontece também nos outros tipos de accountability, fazem-se presentes três dimensões: a dimensão da informação (porque o gestor deve prestar contas de suas ações e dos resultados obtidos com elas), a dimensão da justificação (porque o gestor público deve apresentar os motivos que o levaram a tomar suas atitudes) e a dimensão da punição (porque o agente público pode ser punido em caso de irregularidade ou mau uso do poder e/ou dos recursos que lhe foram confiados para que fossem usados em benefício da sociedade).

Costumam ser identificados três tipos de accountability na esfera da administração pública: accountability vertical e horizontal, ambas conceitos de criação do politólogo argentino Guillermo O’Donnel, e accountbility social (ou societal).

A accountability horizontal refere-se à fiscalização que os Poderes, independentes e harmônicos entre si, exercem uns sobre os outros, e à fiscalização feita por instituições fiscalizadoras que agem dentro do aparato do Estado, como, por exemplo, agências fiscalizadoras, o Ministério Público, Tribunais de Contas e partidos políticos. Essa modalidade de accountability está relacionada a atores que podem fiscalizar e punir os agentes responsáveis pela administração pública lançando mão de recursos como impeachment ou sanções criminais para punir comportamentos ilegais.

Accountability vertical, por sua vez, é aquele realizado pelos cidadãos, que exercem seu controle sobre o governo através de instrumentos como o voto em referendos, plebiscitos e eleições ou através de recursos de natureza judicial como, por exemplo, a ação popular. Para essa modalidade de accountability, é de grande importância a prática da transparência com relação aos eleitores, para que estes possam exercer seu direito ao voto e a influenciar o governo sob o qual vivem com conhecimento de causa.

Por fim, a accountability social (também chamada de societal) baseia-se na ação de instituições como, por exemplo, sindicatos, ONGs e organizações de mídia. Essas instituições não têm poder legal para aplicar sanções legais como o impeachment ou punições de caráter penal ou sanções políticas através do voto a administradores públicos que tenham cometido irregularidades. Essas instituições podem, contudo, pressionar as autoridades com protestos, investigar as falhas dos governos e tentar conscientizar a sociedade quanto a elas, tentar introduzir novos assuntos na agenda política e influenciar as decisões das autoridades.

Há uma, contudo, grande assimetria entre esses grupos e as autoridades que eles tentam influenciar. Luis Miguel chega a afirmar que as advertências e denúncias realizadas pelas organizações dedicadas à accountability social só ganham poder efetivo quando conseguem ser encampadas por instituições de controle do aparato estatal, capazes que são de aplicar a agentes públicos sanções, como, por exemplo, o Tribunal de Contas ou mesmo o eleitorado.

Accountability no Brasil

Pelo menos no que se refere à gestão pública, pode-se dizer que a accountability no Brasil ainda é fraca. Contudo, é necessário prestar atenção, como faz José Pinho, para o fato de que é lenta a construção da accountability e é irrealista esperar que a cultura política de uma nação seja transformada radicalmente em pouco tempo.

A criação de mecanismos de accountability em grande parte fundamenta-se na cobrança feita pela população. Infelizmente, a sociedade brasileira ainda não está suficientemente conscientizada e organizada, e cidadãos vigilantes que conheçam seus direitos e estejam dispostos a defendê-los são essenciais para a criação das condições necessárias para haver accountability. Só será alcançada essa situação, diz Ana Campos, quando o povo deixar de enxergar no Estado seu tutor.

No Brasil, devido às condições políticas do país e à baixa organização da população, ainda há pouca pressão para que os agentes públicos ajam de forma transparente e prestem contas de seus atos à sociedade. A essa condição, alia-se o fato de que os governos têm conseguido se manter afastados, insulados da sociedade.

Avanços ocorreram, especialmente na esfera federal, onde houve em anos recentes investimentos em tecnologia da informação e aumento da disponibilidade de informações que podem ajudar os cidadãos a se orientar e julgar as decisões dos líderes de seu país. Ainda assim, a punição aos gestores que fazem mau uso dos recursos da sociedade colocados sob sua responsabilidade ainda é a exceção, em vez de ser a regra.