Burocracia na Administração Pública

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Nos dias atuais, sempre que ouvimos falar em burocracia, costumamos torcer o nariz para a simples menção à palavra. Isso porque, imediatamente, associamos burocracia a longas filas, esperas desnecessárias e processos inúteis de registros que ninguém vai olhar novamente.

No entanto, o surgimento dos processos burocráticos foi de estrema importância para o bom funcionamento das sociedades humanas. Seu início remonta às primeiras civilizações, sempre como forma de organizar trabalhos complexos, envolvendo grande número de pessoas e, principalmente, permitindo a padronização de tarefas.

o que é burocracia na administração pública

O termo burocracia, entretanto, só começou a ser utilizado no século XVIII e teria sido cunhado justamente para criticar a existência de tarefas inúteis nos processos administrativos, principalmente nos processos da estrutura governamental. Ou seja, no serviço público. Não sem motivo, a administração pública, hoje, quando é chamada de burocrática, é sempre de forma pejorativa.

Mas, o que é burocracia?

Como dissemos, o princípio básico que norteia o surgimento da burocracia é a padronização de rotinas de trabalho, mesmo que, à época, não fosse utilizado o termo. Para dar um exemplo, podemos pensar nos escribas do antigo Egito. Uma de suas possíveis funções sociais era a de fazer registros das quantidades de grãos produzidos, transportados e estocados, bem como de sua manutenção e posterior distribuição.

De início, estes registros atendiam a uma necessidade básica: a de controlar todo o processo produtivo e, principalmente, demonstrar em números se os estoques seriam suficientes, se estavam ocorrendo perdas excessivas na estocagem, entre outras métricas possíveis.

Com o tempo, a complexidade desses sistemas produtivos cresce e, então, já não basta a simples anotação numérica. Passa a ser necessário padronizar as formas pelas quais estes dados são anotados, dada uma outra necessidade, a de comparação entre a produção ano a ano.

O problema, como enxergamos hoje, surge bem depois desta primeira etapa. Ao longo dos últimos séculos, os Estados, enquanto estrutura governamental, passaram a regular diversos aspectos da vida de seus cidadãos, assim como prestar alguns tipos de serviços. O sistema judiciário, por exemplo, é um serviço público que, com o tempo, foi se tornando extremamente complexo.

Muito além da mera criação de leis e de uma estrutura de imposição das mesmas à sociedade, se tornou necessário padronizar seus processos, desde o primeiro atendimento ao cidadão, até o momento da emissão da sentença. Posteriormente, incluindo a imposição por parte da administração burocrática governamental do cumprimento das decisões judiciais.

É justamente deste ponto de vista que um dos maiores estudiosos da burocracia, o sociólogo Max Weber, partia. A burocracia era, em suma, uma forma de organização administrativa, cujo principal objetivo seria a consolidação da autoridade. Fosse na estrutura de um governo, fosse na estrutura empresarial desenvolvida posteriormente. Mas, como nosso foco é na administração pública, vamos nos ater a ela.

Administração pública: burocrática, patrimonialista e gerencial

Também é de Max Weber uma divisão conceitual entre três fases ou etapas distintas da administração pública. Sendo que, num primeiro momento, ela se caracterizava pela falta de distinção entre o que é público, e o que é privado. Esta fase é definida por Weber como patrimonialista. E se refere, principalmente, ao modelo monárquico, em que o bem público não se separa dos bens privados do rei.

Mas, essa ausência de separação é bastante antiga. Os grãos do antigo Egito eram tanto públicos, no sentido de que serviam a distribuição entre a população, quanto eram privados, na medida em que cabia ao Faraó, ou àqueles que compunham sua estrutura de governo, decidir como isso deveria ser feito.

Na antiga Roma, o tesouro público e o tesouro pessoal do imperador também não se diferenciavam. Podíamos olhar para o exemplo de Augusto, que costumava fazer distribuições de dinheiro para parte dos cidadãos romanos, ou ainda pagava do “próprio bolso” excursões militares ou construções de templos.

Portanto, neste modelo, todo o processo administrativo público, mesmo que parcialmente padronizado, tecnicamente dependia de decisões centralizadas no rei, ou em seu grupo de administradores. Um sistema considerado corrupto, nepotista e ineficiente, já que atendia aos interesses daquela classe privilegiada e não do público.

Finalmente, a burocracia

Para tentar corrigir esta distorção é que surge a administração burocrática, tendo características essencialmente regulatórias. Ou seja, pretendia, através da criação de normas, leis e regulamentos rígidos, estabelecer uma maior igualdade entre os cidadãos ao definir claramente limites de atuação, para cada uma das instâncias da administração pública.

Justamente por isso, na administração burocrática, um conceito fundamental é a impessoalidade. Traduzindo, em termos ideais, o agente público não deve levar em consideração nenhuma questão pessoal, sua ou do indivíduo a quem está atendendo. O agente público deve se orientar por normas que estabelecem seus procedimentos e aplicá-las igualmente, em todas as situações nas quais seu trabalho seja necessário.

Neste ponto, embora o objetivo fosse a padronização dos procedimentos administrativos, aquilo que foi idealizado nem sempre se traduzia na atuação prática cotidiana dos agentes públicos. Mesmo porque o excesso de impessoalidade pode levar à extrema insensibilidade. Ou seja, o Estado deixa de entender as necessidades dos indivíduos e passa a tratá-los como números.

A busca por uma administração pública mais igualitária através da burocracia, paradoxalmente gerava um atendimento quase desumanizado. Extremamente demorado, em função das infindáveis exigências de protocolos, documentos e outros itens. Em resumo: “engessado”, como costumamos chamar hoje.

Da percepção destes problemas, surge o desejo por um modelo mais adequado e eficiente: o gerencial, cuja inspiração vinha das empresas modernas, em que o principal objetivo era justamente a eficiência. Mas, trataremos desta última fase discutindo a burocracia no Brasil.

História da burocracia no Brasil

A origem da burocracia brasileira também é muito antiga. Isso porque o Estado português, dentro dos padrões europeus dos séculos XV e XVI, podia ser considerado extremamente burocrático, no pior sentido da palavra.

Claro que aqui não estamos mais tratando o termo burocracia no mesmo sentido de Max Weber. Mas, sim, no sentido de uma estrutura gigantesca, composta por muito mais procedimentos e normas do que seriam recomendadas se a eficiência fosse o objetivo final. Em parte, esse excesso de regulamentação se devia às dificuldades de se controlar um império vasto, espalhado por praticamente todos os continentes, em uma época em que um simples comunicado administrativo demorava meses para chegar até a metrópole.

Segundo alguns historiadores, esta pesada estrutura normativa se estabeleceu como se ela própria fosse uma norma. Ou seja, o Brasil, mesmo após a independência e muito depois, ainda teria de lidar com um traço cultural burocrático herdado da estrutura colonial portuguesa.

Quase dois séculos após a independência, ainda vemos o governo e todas as suas instâncias, como monstros criadores de filas, papéis e rotinas inúteis e irritantes. Embora isso seja verdadeiro em grande parte dos serviços públicos, algumas áreas avançaram muito nos últimos anos, principalmente aquelas onde a informatização foi mais rápida. Compare-se, por exemplo, o funcionamento atual do Ministério da Fazenda (sim, aquele do imposto de renda), e o funcionamento do Ministério da Saúde.

Um Estado dividido, mezo burocrático, mezo gerencial

Um bom exemplo para demonstrar a diferença citada anteriormente: o imposto de renda é totalmente nacionalizado. A declaração pode ser feita de qualquer ponto do país através da internet. Em termos práticos, é perfeitamente possível passar uma vida inteira sem sequer ter pisado em um prédio da Receita Federal.

Já o SUS (Sistema Único de Saúde) não é nacionalizado. Em muitos estados, ele funciona independentemente em cada município. Se eu moro em Joinville e tenho uma carteira do SUS feita lá, isso não me garante o atendimento em toda a rede. Para ter acesso a alguns procedimentos em outras cidades, só retirando uma carteira local e essa só é dada aos moradores daquele município.

Assim, não surpreende que a burocracia no Brasil, em resumo, seja considerada excessiva. Também não surpreende que muitas pessoas, organizações não governamentais e o próprio governo estejam trabalhando pela diminuição da burocracia na gestão pública. Primeiro porque não se trata apenas de oferecer melhores serviços, mas também de controlar melhor a máquina estatal e os próprios cidadãos.

Para que a situação melhore de forma geral, a busca pela descentralização é um passo fundamental. Isso porque, se desde o início a burocracia pretendia padronizar os procedimentos para assegurar o controle sobre a sociedade, no momento atual, dada a complexidade da estrutura social, é fundamental que os procedimentos sejam regionalizados.

As necessidades de saúde, educação e segurança não são iguais em todos os cantos do país. A estrutura física necessária em São Paulo pode ser excessiva ou insuficiente em outros estados. Por outro lado, a estrutura de atendimento às populações ribeirinhas do rio Amazonas não funcionaria em grandes cidades por inúmeras razões.

Em suma, a administração pública ainda precisa atender a certos padrões, sobretudo de qualidade. Os dentes da população do Rio Grande do Sul devem estar tão brancos quanto os dentes da do Rio Grande do Norte. Porém, a forma de se atingir estes objetivos em realidades diferentes exige não apenas o abandono das rotinas explicitamente burocráticas – no sentido pejorativo, não no sentido administrativo, mas também uma certa liberdade de atuação para os profissionais daqueles estados.