Candidatura Avulsa

Spread the love

Na história política brasileira, o direito ao voto já foi exclusivo de umas poucas classes sociais, mas, com o tempo, se tornou universal, ou seja, abrange todos os cidadãos brasileiros, com exceção dos mais novos, abaixo de 16 anos, e daqueles que estão cumprindo o serviço militar obrigatório.

O direito à candidatura também já teve muitas restrições ao longo da história. A renda, o patrimônio ou a cor da pele, por exemplo, já funcionaram como impeditivo. Hoje, as regras são mais permissivas, mas não deixam de impor certos limites, como idade mínima ou a necessidade de filiação partidária.

Quanto ao último item, o resultado prático da regra é a proibição de qualquer Candidatura Avulsa no Brasil.

o que é candidatura avulsa

Mas, o que é Candidatura Avulsa?

Como dissemos, a exigência de filiação partidária pela Constituição impede a candidatura avulsa, cujo conceito é justamente o de que cidadãos que não pertencem a nenhum partido político possam concorrer livremente nas eleições para cargos executivos e legislativos.

Em grande parte das democracias isso é permitido, embora não necessariamente para todos os cargos. Também há entendimentos diferentes de acordo com o país que estamos analisando. Uma candidatura avulsa nos Estados Unidos, por exemplo, não só é permitida, como eventualmente pode acabar criando um partido.

Tanto que é praticamente inútil tentar dar apenas um exemplo de candidatura avulsa nas eleições de 2016. Foram mais de 1800 candidatos concorrendo à presidência americana. E mais, não foi um fato isolado, essa quantidade é relativamente comum.

Por outro lado, entre todos os 1800, há vários tipos de candidaturas, inclusive aquelas que não têm nenhuma pretensão de ganhar e sequer chegam a fazer campanha, provavelmente a maioria. Mas, também há pelo menos dois partidos considerados independentes.

No ano citado, havia os candidatos do Partido Verde (Green Party), Jill Stein; e do Partido Libertário (Libertarian Party), Gary Johnson. Dentro do conceito padrão, “avulso” não se aplica a eles, já que possuem uma estrutura partidária. Naquele país, entretanto, o sistema eleitoral é dominado por republicanos e democratas e, desta forma, estes partidos são considerados independentes.

Situação das Candidaturas Avulsas no Brasil

Como dissemos, no Brasil é necessário estar filiado a um partido político para concorrer às eleições. Ou seja, não é proibida a participação, desde que seja dentro do sistema partidário e é por isso que temos o presente debate.

Muitos cidadãos podem ter rejeição ao sistema e, simplesmente, não querer concorrer por nenhum partido estabelecido. Neste caso, só existem duas alternativas e nenhuma delas é fácil: mudar a legislação em vigor ou fundar o próprio partido.

Candidatura Avulsa versus partido novo

Vamos começar pela fundação de um partido. A legislação eleitoral define que o registro de novos partidos só é possível mediante o apoio de: “0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos”.

Parece pouco? Vamos fazer a conta. Grosso modo, são 150 milhões de eleitores, dos quais 70% costumam votar pela média histórica. Como esse número pode ser menor nas eleições legislativas, vamos dar uma ajuda considerando apenas 60% de votos válidos. Fazendo as contas, aquele meio por cento equivaleria a 4,5 milhões de eleitores.

Além disso, não podem ser quaisquer eleitores, porque a legislação exige representatividade nacional para registrar novos partidos, assim, os eleitores precisam estar “distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles”.

Apenas para esclarecer o último trecho, um terço dos estados significa, pelo menos, 9 deles. Já o 0,1% significa que, entre os seus 0,5% genéricos, você precisa atingir também esta outra porcentagem em cada um dos estados. Em outras palavras, se forem 9 estados populosos, pode ser que você precise de mais do que os 4,5 milhões.

De qualquer forma, fundar um partido é tão difícil que, os últimos a conseguirem, na verdade, foram aqueles compostos por políticos de outros partidos que se reuniram em uma nova sigla, muitos dos quais, raramente ouvimos falar, como o PN (Partido Novo) ou o PMB (Partido da Mulher Brasileira).

Se o leitor já concordou que é melhor tentar outra coisa, então vamos verificar a possibilidade de transformar a candidatura avulsa em lei.

PEC da Candidatura Avulsa

PEC é uma proposta de emenda constitucional. Ou seja, o único instrumento possível para fazer alterações no texto da constituição. Por exemplo, a PEC 6/2015, a sexta proposta apresentada em 2015, propunha que candidaturas avulsas fossem permitidas, desde que o candidato reunisse a assinatura de 1% dos eleitores de sua região.

No contexto da reforma política daquele ano, várias alterações foram feitas, mas esta, especificamente, foi rejeitada. Não foi a primeira, nem necessariamente será a última. Neste momento, tramita no congresso a PEC 350/2017.

A proposta é basicamente a mesma da PEC anterior, o que significa duas coisas importantes. Primeiro: não importando quantas vezes seja negada, volta e meia a proposta é recolocada por algum congressista. Segundo: você que se interessa pelo assunto, não precisa partir do zero, basta apoiar o projeto existente. Melhor que isso, se não for aprovado, basta aguardar que outro virá.

Neste caso, a maior dificuldade é justamente o fato de que inúmeras propostas anteriores já foram rejeitadas. Portanto, o trabalho pesado estaria em duas frentes de atuação. O convencimento de grande número de eleitores de que a alteração é necessária (o que é difícil). O convencimento dos próprios congressistas (o que é mais complicado ainda).

Um aspecto fundamental é conhecer as linhas gerais de argumentação sobre o tema, então vamos tentar resumi-las abaixo.

Candidatura Avulsa: argumentos contra e a favor

De fato, como nosso exemplo é voltado para a pessoa que quer se candidatar sem depender de partido algum, vamos nos concentrar primeiramente nos argumentos contrários.

1.O primeiro e talvez o mais poderoso deles é a noção de que os partidos são organizações que nascem da sociedade civil e representam interesses legítimos. Desde 1945, a legislação é esta e os partidos são vistos como representantes de parcelas consideráveis e organizadas da sociedade.

É um argumento baseado na tradição mais do que em qualquer outra coisa. Portanto, atacar este argumento, não importando a lógica utilizada, pode ser um tiro no próprio pé. Quem acredita nisso, dificilmente será convencido.

2.Um segundo argumento, diz respeito ao fato de que as negociações entre partidos já são difíceis dentro do formato atual. Inserir políticos independentes nesta mistura poderia complicar a governabilidade ou, em outras palavras, a capacidade de negociação entre executivo e legislativo.

Por mais que este argumento faça sentido, raciocinemos. Nós temos vários problemas na sociedade. Muitas coisas não funcionam corretamente. Mas, se uma ideia é negada simplesmente porque pode piorar algo que já está ruim, é sinal de medo. Pensando desta forma, a pessoa acha preferível ficar com os problemas do que tentar resolvê-los.

3.Um último argumento seria a necessidade de alterar o sistema eleitoral atual para os cargos legislativos, já que estes são distribuídos por partidos de acordo com um quociente eleitoral, o que resumido, dentro do nosso interesse, equivale a um cachorro perseguindo o próprio rabo.

Não querer mudar uma regra, usando como argumento o fato de que ela precisaria ser mudada, é o que se chama de raciocínio circular. E não chega a ser propriamente um argumento. Assim, apenas os dois primeiros são perigosos para o projeto do cidadão que quer angariar apoios para a PEC 350.

Aqueles dois argumentos são não apenas poderosos, são também muito esclarecedores e explicam porque as candidaturas avulsas são proibidas no Brasil. Por apego à tradição de um lado, e por receio de outro. Dito isto, vamos agora passar rapidamente aos argumentos favoráveis.

Sou a favor por quê?

Cremos que aqui também há pelo menos dois bons argumentos e um terceiro não tão bom.

1.Primeiro: impedir candidaturas de fora do sistema vigente, isto é, da estrutura partidária, impede o cidadão de se expressar plenamente, já que lhe retira o direito de não concordar com o próprio sistema.

Além de ser um argumento bastante sensato, ainda é respaldado pelo fato de que este tipo de candidatura é permitido total ou parcialmente, na maioria dos países democráticos. Ainda que este último ponto não seja um argumento por si só, fornece dados para demonstrar que a prática pode fortalecer o processo democrático.

2.Segundo: pressupõe que candidaturas avulsas ajudariam a romper o monopólio dos partidos sobre a política e, com a concorrência, eles precisariam ser mais transparentes. Talvez seja um argumento ingênuo, talvez não. No mundo todo, as experiências práticas apontam para resultados diversos.

Em outras palavras, não há garantia de que os dinossauros da política vão se emendar apenas porque um grupo está, teoricamente, fazendo diferente. Ainda pior, também não há garantia de que os independentes não venham a acabar se metendo nas mesmas relações espúrias que os políticos tradicionais. Este parece ser o argumento menos convincente.

3.Último argumento: imagine um possível aumento na participação política. Aqui sim temos algo praticamente comprovável. Através dos vários exemplos pelo mundo, é possível encontrar muitos que corroboram esta ideia. Um argumento que pode ser muito poderoso se bem trabalhado.

Principalmente utilizando países cuja realidade não é tão distante da brasileira, como a Índia, o Chile, os países do leste europeu, a própria Rússia, entre outros. Ainda que não sejam iguais ao Brasil (nenhum país é igual a outro), estão mais próximos da nossa realidade do que os Estados Unidos ou a Europa Ocidental.