Conselho de Ética

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Boa parte das dúvidas sobre o que é Conselho de Ética se resolveria com uma única e simples explicação sobre o que é ética. O problema é que isto não é possível, porque não existe uma explicação única e muito menos fácil para entender o conceito por trás da palavra.

Primeiro porque a maioria de nós não faz distinção entre ética, moral e caráter. As três coisas soam como se fossem uma só e, honestamente, convencer alguém de que existem diferenças é um exercício quase fútil. Isso se deve a uma longa tradição de discussões filosóficas a respeito dos termos e suas possíveis características únicas. Vamos tentar definir estas três palavras/conceitos de acordo com seus usos coloquiais.

o que é conselho de ética

  1. Caráter: usualmente, nos referimos a uma pessoa como “de caráter” quando a consideramos honesta, reta, alguém que cumpre o que promete e procura seguir um vago senso de justiça, totalmente subjetivo, mas perceptível pelo nosso julgamento acerca das suas práticas de vida.
  2. Moral: para separar o significado desta palavra, podemos inclui-la na expressão “moral e bons costumes”, assim, temos uma diferenciação quase imediata. Neste sentido, a moral está relacionada a seguir as regras e preceitos universalmente aceitos em uma determinada sociedade.
  3. Ética: utilizando a mesma lógica acima, dentro da expressão “ética profissional”, temos uma compreensão parcial do que se trata. De um respeito a regras mais estritas, de acordo com as expectativas de certas áreas de atuação, como uma “ética médica” ou uma “ética política”.

Em termos filosóficos e conceituais, estas diferenciações são discutíveis, mas este não é o nosso foco e sim marcar uma diferença no uso comum dos termos, para explicar o que seria um conselho de ética e para que serve. Neste sentido, as diferenças vem a calhar, já que o uso mais corriqueiro coincide com o objetivo. Sendo assim, vamos começar pelo básico.

Conselho de ética: função e formação

Como dissemos, embora a ética em si seja um conceito filosófico mais abrangente, quando se trata da função do conselho de ética ou, melhor dizendo, de um conselho de ética específico, estamos falando de normas de conduta que devem ser seguidas pelos profissionais daquela área, seja ela qual for.

O conselho teria a função de julgar os desvios e, eventualmente, punir os profissionais. Mas, como é óbvio, nem sempre foi assim, e isto ajuda a explicar a importância do conselho de ética. Em outras palavras, o porquê de terem surgido e serem relevantes, ou não, hoje em dia.

Para começar, toda profissão tem um certo conhecimento acumulado. Algumas, como a de sapateiro, por exemplo, são informais, baseadas em um conhecimento passado entre gerações e não contam com uma escola científica formal. Outras, são parcialmente determinadas pelos anseios externos, mais do que pelo desenvolvimento de uma ciência propriamente dita.

Em sentido acadêmico estrito, a atividade policial, por exemplo, não surge de um conhecimento, mas de uma necessidade social e, posteriormente, se desenvolve uma espécie de ciência e de ética própria, ainda assim, não se trata de uma profissão que exija um conselho interno, mas, tribunais.

Por isso, o tipo mais comum de conselho de ética é o que se relaciona a profissões com base científica complexa, como é o caso da medicina. Mas, há muitas exceções. O direito dificilmente seria considerado como uma ciência pela população e mesmo assim conta com o conselho de ética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

De fato, estes conselhos surgem, quase sempre, como uma proteção para a própria classe. Só depois podendo se tornar instrumentos úteis de proteção dos usuários dos serviços. A questão é complexa, mas significa que, de um lado, os conselhos tentam proteger seu mercado de charlatães que se passam por profissionais.

De outro, ao fazerem isso, desde que cumpram bem a função, acabam protegendo os cidadãos das más práticas de pessoas sem o devido preparo. Mas, como usualmente atuam apenas após a detecção de algum problema, ao menos algum mal inicial já foi causado. A importância está em evitar que se repita.

Código de ética, moral e decoro: algumas variações possíveis sobre o mesmo tema

Se nos fizemos entender até aqui, a relação entre um conselho de ética e um tribunal é quase implícita, embora sejam coisas distintas. Isso porque os conselhos julgam condutas profissionais, como os tribunais fazem com as condutas gerais, inclusive profissionais.

Mas, há diferenças fundamentais entre o que a lei considera uma conduta profissional inadequada e o que um conselho, específico daquela profissão, poderia considerar. É claro que a lei de um país está acima de qualquer órgão de classe e, portanto, se uma conduta for ilegal, deverá ser automaticamente proibida pelo conselho da área.

Mas, os conselhos podem ter regras específicas, desabonadoras para os profissionais sem, no entanto, se configurarem como crimes ou infrações legais. Embora seja impossível cobrir todas as possibilidades, podemos dar um exemplo prático, tomando o código seguido pelo conselho de ética de enfermagem, cujo artigo oitavo proíbe:

“Promover e ser conivente com a injúria, calúnia e difamação de membro da equipe de enfermagem, equipe de saúde e de trabalhadores de outras áreas, de organizações da categoria ou instituições.”

Muito embora injúria, calúnia e difamação possam ser enquadrados como crimes, dependendo do caso, o que o código de enfermagem está determinando é que se reserva o direito de julgar estas condutas, dentro de seu próprio entendimento de ética profissional, independentemente, de um ato qualquer em julgamento, poder ser considerado um crime formal, ou não.

Em suma, a lei se aplica às profissões, indiscriminadamente. As regras de cada profissão podem ou não ser passíveis de punição legal. Assim como, dado o caráter subjetivo de injúria, calúnia e difamação, as regras podem não ser aplicadas ao pé da letra. Mas, será mais fácil explicar isso com os políticos, que também têm seus conselhos de ética.

Conselho de Ética do Senado e Câmara: a balbúrdia brasileira escancarada

Exatamente como em um tribunal, a suposição básica para que alguém possa exercer o cargo de juiz (de julgador, neste caso), é a de que não tenha envolvimento com a situação em questão e tenha, essencialmente, uma conduta ilibada. Ou seja, que seja honesto e justo.

Embora os conselhos de ética de cada profissão também não estejam livres deste problema, é na política que fica mais claro o quanto um “conselho de ética” pode precisar das aspas que acabamos de utilizar. Afinal, um profissional sem ética pode julgar a ética de outro?

Na verdade, o problema começa antes, já que políticos não deveriam ser, em sentido estrito, profissionais. Ou seja, dentro de uma concepção ideal, um cargo público deveria ter a função de servir a sociedade, não a de servir como carreira profissional.

Por outro lado, esta é certamente uma exigência utópica, na medida em que são necessários muitos anos para aprender os meandros da política, como em qualquer outra profissão e, portanto, faz sentido que haja uma “ética política” julgada por um conselho da área.

Porém, como legalmente a política não é uma profissão em sentido estrito, não há um conselho geral para todos os “profissionais”, mas conselhos específicos, para as casas legislativas, federais, estaduais e municipais, além de conselhos de ética dos próprios partidos, que não se sabe muito bem para que servem. Mas, nada é melhor do que um bom exemplo.

Todos os homens do presidente: a cassação do ex-deputado Eduardo Cunha

Com este exemplo, não precisaremos nos estender muito mais neste assunto. O ex-deputado e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é um dos poucos políticos que conseguiram unir todos os lados do debate político nacional, só que contra ele. Cremos que não há um único brasileiro disposto a defendê-lo, com exceção de seu advogado e, talvez, pessoas da família.

Esta façanha foi alcançada a partir de manobras descaradas de manipulação política e desvios de recursos que são, a esta altura, inegáveis. Mas, até pouco tempo atrás, Cunha ainda era presidente da Câmara e conduziu a primeira parte do julgamento de um presidente. Até aquele momento, ainda havia quem o defendesse.

Quando foi afastado de seu cargo pelo Supremo Tribunal Federal, manobrou como pôde os seus aliados para evitar uma cassação e quase conseguiu. Neste contexto, o exemplo que nos interessa foi o jogo interminável de trocas de membros do conselho de ética da Câmara, sempre que algum deles se mostrava desfavorável a Cunha.

O próprio presidente do conselho de ética da Câmara na época parece ter sido envolvido neste jogo, ao sofrer acusações de corrupção durante o processo. De fato, para nós, que acompanhamos de fora, é difícil atestar a honestidade deste ou daquele político em uma situação como esta.

A sensação que prevalece é a de que estão todos envolvidos em algum esquema, uns mais, outros menos; e o conselho de ética em si não passaria de um teatro para entreter a população aparvalhada. Neste sentido estrito, um conselho de ética pode, sim, ser considerado de utilidade duvidosa, para dizer o mínimo.

Mas, enquanto instituição, deve ser respeitado, na medida em que não se pode descartar a criança, junto com a água suja do banho. Ou seja, se os membros podem ter sua ética questionada, não se trata de extinguir o conselho, mas, de trocar os membros, embora, não da forma como Cunha fez, ou tentou fazer.