Eleições Diretas e Indiretas

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Em termos históricos, a ideia de que um Estado tem o dever de promover eleições, diretas ou indiretas, para que seus cidadãos, ou parte deles, escolha seus representantes, é extremamente recente. Os próprios Estados são muito recentes.

o que é eleições diretas e indiretas

No caso brasileiro, por exemplo, somente após o fim da ditadura militar, com as campanhas pelas eleições “diretas já”, no começo dos anos 1980, é que a população passou a gradualmente se acostumar com o processo eleitoral. Hoje, acreditamos que temos esse direito garantido.

Mas, como nem sempre foi assim, vamos estabelecer uma breve linha do tempo, para que se tenha noção dos percalços necessários, até que nascessem os sistemas eleitorais.

  1. Limitação do número máximo de integrantes de um grupo

Desde o surgimento do homo sapiens, até algo como 10 mil anos atrás – a maior parte da nossa história, portanto – os grupos humano tinham uma limitação numérica. Primeiro porque alimentar muitas pessoas exigia muito tempo e trabalho. Mas o aspecto mais determinante era a confiança.

Estudos científicos atuais apontam que a nossa capacidade individual para manter relacionamentos próximos tem um limite de cerca de 150 pessoas. Coincidentemente, os indícios que temos de nossos ancestrais apontam para pequenos grupos nômades, que viviam sob a ameaça de grupos rivais e justamente por isso, os membros de cada grupo precisavam confiar uns nos outros. Assim, a maioria dos agrupamentos humanos daquela época, provavelmente, era ainda menor do que o limite de 150 indivíduos.

Em número tão pequeno, as lideranças se estabeleciam naturalmente e quando havia mais de um possível líder, cada agrupamento estabelecia regras próprias para escolher entre eles. Mas, não há qualquer indício de que houvessem eleições. O mais provável é que um dos dois acabasse matando o outro e assumindo o controle.

  1. Agricultura e sedentarismo

Dez mil anos atrás é um marco não muito aproximado, mas suficiente para o surgimento das sociedades complexas, baseadas na agricultura e, portanto, sedentárias. Neste caso, isso significa estabelecidas em uma região fixa.

É claro que essa mudança não ocorreu de um hora para outra, mas a agricultura permitia sustentar um número cada vez maior de pessoas. Aos poucos, os assentamentos de uma ou duas centenas de pessoas, passaram a abrigar mil, depois milhares e dezenas de milhares nas maiores cidades.

Com uma maior complexidade social, as formas de escolher as lideranças também se tornam mais complexas, mas, de forma geral, os modelos mais presentes na documentação disponível são formas primitivas de monarquia. Tanto que, quando buscamos as origens da democracia, costumamos nos referir a apenas dois exemplos da antiguidade.

  1. Grécia, Roma e adiante

Menos de 3 mil anos atrás e, ainda assim, não chegavam a ser democracias. Muito menos no sentido moderno da palavra. Contudo, ali surgiram sistemas eleitorais restritos, para alguns poucos cargos públicos. Outros cargos eram sorteados entre a população. Outros, ainda continuavam seguindo uma tradição dinástica, ou seja, eram transmitidos dentro de uma mesma família.

O berço da democracia era muito menos democrático do que se pode imaginar. Os sistemas eleitorais eram extremamente complicados e envolviam uma série de divisões entre classes. No caso romano, havia uma elite (patrícios) com direitos amplos, uma espécie de “classe média” (plebeus) com direitos restritos e o restante da população, sem direito algum.

Foi preciso atravessar toda a Idade Média e praticamente toda a Idade Moderna para que surgisse a primeira democracia eleitoral do ocidente, há pouco mais de 200 anos: os Estados Unidos. Ainda assim, uma democracia que não dava direito de voto às mulheres, aos pobres, analfabetos e, muito menos, aos escravos. Mas, pelo menos, já podemos falar de eleições e, também, sobre as diferenças entre eleições diretas e indiretas.

O que são eleições indiretas?

O sistema eleitoral americano foi sendo alterado ao longo do tempo, mas, principalmente por causa da Guerra Civil entre os estados do norte (União) e os estados do sul (Confederados), acabou se estabelecendo um sistema de pesos eleitorais para balancear a relação entre a quantidade de pessoas e importância política de cada estado.

A ideia era não permitir que apenas os estados do sul, ou apenas os do norte, por um motivo ou outro, elegessem continuamente o presidente. Daí o sistema indireto de votação, ou seja, os cidadãos de cada estado não votam no presidente diretamente, mas, em um representante legal que pode ser republicano, democrata ou independente. Ao fim das eleições, o partido que tiver a maioria dos representantes daquele estado, leva todos os votos do mesmo.

Isso significa o seguinte: suponha que o seu estado tivesse 100 votos para presidente. Você, eleitor, poderia votar em um representante para uma dessas 100 vagas. Digamos que neste estado hipotético, fossem eleitos 60 representantes republicanos, 30 democratas e 10 independentes. Como os republicanos formaram uma maioria, os 100 votos do estado serão dados ao candidato republicano à presidência da república.

Complicado? Acredite, os americanos também acham. De qualquer forma, o princípio de uma eleição indireta é este: o cidadão elege um representante e este, automaticamente vota no candidato a presidente de seu próprio partido. Mas, como a democracia americana é apenas uma das possibilidades para explicar como funciona a eleição indireta para presidente, vamos ao caso brasileiro para entendermos melhor.

O que são eleições diretas?

Como dissemos no início, eleição direta no Brasil só se tornou algo comum, que todos entendemos como uma garantia constitucional, nos últimos 30 anos. Antes disso, durante o período militar, as eleições eram indiretas e de uma forma muito diferente da americana. Apenas um pequeno grupo de militares “votava” para presidente.

Na prática, não havia eleição alguma, mas um acordo entre eles, sobre qual deles mesmos era o mais adequado para ser o presidente, mais ou menos como faziam nossos ancestrais nômades. De 1989 em diante, entretanto, todas as eleições no Brasil passaram a ser diretas. O que significa que votamos diretamente num dos candidatos a presidente e, no final, aquele que acumular o maior número de votos ganha.

Parece simples, mas, também pode não ser

Se alguém ficou feliz porque o sistema brasileiro é muito mais simples e justo que o americano, tenha calma, porque mesmo com eleições diretas, como funciona o processo político brasileiro pode tornar tudo muito complicado.

Neste momento, por exemplo, estamos visualizando a possibilidade de um terceiro processo de impeachment, um para cada década de democracia. E se acabamos saindo relativamente bem do primeiro, depois, meio tropeçando do segundo, este terceiro parece ter deixado a própria classe política perdida num vácuo de poder. Desta forma, várias possibilidades, constitucionais ou não, surgem nos debates.

Em primeiro lugar, nos perguntamos qual a possibilidade de eleições diretas para presidente? Neste caso, a constituição é bastante explícita: nenhuma. Isso porque a previsão é de que, na ausência do presidente e do vice, já na segunda metade do mandato, as eleições seriam indiretas.

Embora a constituição possa ser mudada, não parece haver nem tempo, nem deputados e senadores suficientes a favor da medida. Desta forma, voltaríamos à eleição indireta. Constituição Federal, artigo 81, parágrafo primeiro:

“Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.”

Portanto, deputados federais e senadores elegeriam um novo presidente e, também, um novo vice. Mas, quem pode ser candidato em eleição indireta? Aqui, a trama se complica, porque, em teoria, qualquer brasileiro que se enquadre nos requisitos mínimos pode ser candidato. Mas, sempre tem mais um mas…

Eleições indiretas: quem pode se candidatar?

Como dissemos, em teoria seria suficiente ter mais de 35 anos, não ter ficha suja, ser brasileiro nato, entre outras exigências genéricas, o que abriria a disputa para quase qualquer pessoa. Mas, é claro que isso é apenas teórico. Neste caso, os congressistas debateriam entre eles durante alguns dias antes das eleições e, muito provavelmente, já teriam um nome da maioria quando chegasse a data.

Porém, ninguém imaginou que poderíamos chegar a este ponto e, portanto, o artigo 81 da constituição não foi regulamentado. Digamos que ninguém viu urgência no problema e, como resultado, temos uma lei que não sabemos como aplicar porque não foi aprovado pelo congresso, o manual das regras do jogo. Isso nos deixa com três possibilidades.

Primeira: existe uma regulamentação de 1964 que, pelo jeito, ninguém sabe se está valendo. Como foi escrita em outro contexto, até a constituição era diferente. Resumindo, se levarmos o processo a sério, esta regulamentação não deveria sequer ser cogitada como uma possibilidade.

Segunda: regulamentar a lei imediatamente. Mas isso envolveria discussões preliminares e duas votações no Congresso Nacional. Não há tempo para isso e, ainda que houvesse, que tipo de regulamentação nossos congressistas aprovariam assim, em menos de um mês? Parece pouco provável que aconteça.

Terceira: o STF (Supremo Tribunal Federal) determinaria a forma como a eleição indireta deveria ocorrer, até que se tenha uma regulamentação definitiva. Neste caso, é difícil dizer que tipo de regras o STF imporia ao processo.

Parece bastante razoável supor que nenhuma das alternativas é realmente boa. De qualquer maneira, fica claro porque a democracia, por mais elogiada que seja como sistema político, é também fruto de muitas discussões e debates que, na melhor da hipóteses, fortalecem o processo democrático a longo prazo. Na pior, criam regras cada vez mais complicadas e absurdas, até que o sistema entre em colapso.

Por isso um cidadão atento e participativo é tão importante.