Eutanásia

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Vida e morte – principalmente esta última – são conceitos filosóficos abstratos, mas são também uma realidade para todos nós que estamos vivos e, um dia, iremos morrer. Disso, todos sabemos. Embora não seja muito comum pensarmos em nossa própria morte como algo imediato.

Excluindo casos em que se está muito doente (física ou psicologicamente), em idade muito avançada ou, ainda, os casos de pessoas que vivem em regiões de alto risco, como zonas de guerra, por exemplo, não há porque pensarmos na morte de forma cotidiana. Mesmo que saibamos que ela pode ocorrer a qualquer momento.

Nossa tendência natural, por instinto ou por afeição a outras pessoas, é a de querer sobreviver. Assim como as pessoas que nos cercam e gostam de nós, também querem que continuemos vivos. Mas, mesmo com todos os avanços atuais da medicina, a morte é inevitável e muito provavelmente continuará sendo.

o que é eutanásia

Justamente por este motivo, praticamente todos os grandes filósofos, teólogos e pensadores da história humana, dedicaram ao menos parte de seu trabalho ao tema. Também, por este motivo, a morte costuma ser um tema tabu. Ou seja, dependendo das crenças de cada indivíduo, ou da crença majoritária em uma sociedade específica, não se admite que a morte ocorra de algumas formas.

O exemplo mais simples é a pena de morte que, mesmo em países que a adotam, como os Estados Unidos, ainda é uma condenação utilizada apenas em casos muito específicos e não raramente, o condenado passa anos preso antes de ser executado. Sem contar o fato de que ainda pode ser “perdoado” nos momentos finais, tendo sua sentença transformada em prisão perpétua.

Mas, o que é eutanásia?

A eutanásia é uma das formas possíveis de morte assistida. Ou seja, uma ou mais pessoas acompanham até o fim, ou até ajudam a terminar, a vida de um indivíduo, normalmente portador de alguma doença em estágio terminal, mas, também, em alguns casos de pessoas em situação debilitante, que as impossibilitem de ter uma vida considerada normal.

Para tornar mais claro, temos basicamente três formas e uma variante: eutanásia, distanásia e ortotanásia. A variante fica por conta da eutanásia, que pode ser ativa ou passiva.

Tipos de eutanásia

Esta é a forma mais debatida e conhecida, sem dúvida. Consiste em auxiliar uma pessoa enferma, em condição de grande sofrimento – entenda-se: convivendo com dores muito fortes – e sem possibilidade de cura, a tirar a própria vida ou mesmo fazer isso por ela.

Por exemplo, um médico que tenha um paciente com câncer no sistema digestivo, que não consiga se alimentar e esteja literalmente morrendo de fome; digamos ainda que todos os tratamentos possíveis já tenham sido tentados sem sucesso. No entanto, o paciente não morre rapidamente, podendo sofrer por semanas ou meses antes disso.

A partir deste cenário horrível para qualquer um de nós com um mínimo de empatia, o médico pode tomar a decisão de interromper todos os procedimentos que mantém o paciente vivo. Como ele não se alimenta, recebe uma solução intravenosa com os nutrientes necessários. Além disso, seus órgãos podem parar de funcionar aos poucos e, portanto, o paciente estaria dependendo de outras máquinas para se manter vivo.

Nesta situação, desligam-se todos os maquinários e espera-se o paciente morrer. A este procedimento damos o nome de eutanásia passiva. Passiva porque são retirados todos os elementos que mantêm a vida artificialmente, mas não é tomada nenhuma providência para acelerar a morte, além do tempo que levará pela própria evolução da doença.

Outra possibilidade seria a eutanásia ativa. Neste caso, considerando ainda o mesmo exemplo, o próprio paciente pode não querer mais viver, supondo que esteja consciente para tomar esta decisão. E se o médico decidir parar o tratamento já é uma questão polêmica, imaginem um médico que auxilia um paciente a morrer imediatamente?

Na eutanásia ativa, desligar ou não os aparelhos pode ser indiferente, porque uma injeção letal (ou outro método) pode ser utilizada para garantir uma morte considerada rápida e indolor, procurando evitar, inclusive, aqueles últimos momentos de sofrimento, de horas ou dias, que o paciente levaria para morrer naturalmente.

Ortotanásia e eutanásia passiva

Conceitualmente, ortotanásia é o ato de permitir que uma pessoa já em processo de morte venha efetivamente a falecer sem que seja prolongado seu sofrimento com métodos artificiais.

E por este entendimento, ortotanásia e eutanásia passiva seriam apenas dois nomes diferentes para um mesmo ato. Mas, na verdade, a ortotanásia é uma forma de eutanásia passiva. No exemplo que fornecemos acima, do paciente terminal com câncer no sistema digestivo, ocorreu uma ortotanásia.

Ou seja, um médico decidiu não estender desnecessariamente o sofrimento de um paciente. Mas, imagine um indivíduo com outro tipo de doença grave e também incurável. Entretanto, este paciente está em sua própria casa. Imagine que este paciente se mantenha vivo com um respirador, esteja consciente, possa fazer movimentos limitados, mas não possa viver sem a máquina.

Agora imagine que este paciente, sabendo que não há cura possível, decidiu não continuar sua vida e desligar o equipamento, também se trata de uma eutanásia passiva, pois ele simplesmente se deixará morrer e nada será feito para interromper o sofrimento dos seus últimos momentos, como a falta de ar e a agonia antes da morte efetivamente chegar. Também não haverá nenhum médico acompanhando, sequer para aplicar morfina ou qualquer outro paliativo.

Distanásia: até quando um tratamento pode continuar?

A última forma é basicamente o contrário de eutanásia. Se definimos o conceito de eutanásia como uma maneira de se abreviar a vida, para evitar um sofrimento desnecessário, já que não há cura possível, a distanásia pode ser definida como o ato de prolongar a vida mesmo quando se sabe que não há cura e, principalmente, estender inutilmente o sofrimento de uma pessoa. Resumindo, eutanásia e distanásia são termos antagônicos.

Tanto neste caso quanto nos anteriores, o grande problema que enfrentamos é o de como encaramos individualmente, eu, você e cada um de nós, a vida e a morte. Para muitas pessoas, a própria ideia de “prolongar inutilmente a vida” pode não fazer nenhum sentido. Outros, podem ter acompanhado um doente terminal, visto seu sofrimento nos momentos finais e acreditar que aquilo era inútil.

Mas quando entramos neste campo, estamos falando de entendimentos muito importantes, que envolvem a fé religiosa, as crenças humanitárias ou até mesmo a indiferença. O leitor deste texto pode muito bem acreditar que toda vida é sagrada do início ao fim e, portanto, ninguém pode abreviar uma vida, nem mesmo seu “dono”, ou seja, o paciente.

Religião, legislação e o direito à morte

Em muitos países, a vida é considerada como um direito. Conforme determina o artigo 5o da Constituição brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]”

Este artigo lá está porque as pessoas querem viver. Praticamente todos os seres humanos têm que lutar e se esforçar muito para poderem viver dignamente. Portanto, uma pessoa querendo morrer é uma pessoa remando contra a maré. Seu desejo de morte causa estranheza, mesmo que exista uma justificativa muito boa.

Por este motivo, toda a explicação que demos acima não contempla as percepções religiosas e legais sobre o tema. De um ponto de vista puramente legislativo, é proibida a eutanásia no Brasil. Mas existem certos entendimentos jurídicos que podem permitir tais práticas ou amenizar suas consequências.

A ortotanásia, por exemplo, pode ser entendida como uma decisão técnica de um médico, no sentido de evitar o sofrimento desnecessário. Mas, o entendimento varia porque cada caso pode ser visto de forma diferente por médicos diferentes e, também, no âmbito jurídico, por juízes diferentes.

No campo religioso, a questão também é bastante complexa. De um ponto de vista cristão, toda vida é sagrada. Mas nem todas as religiões entendem a vida da mesma forma. Há aquelas que consideram que, mesmo sendo sagrada, a vida é também renovável. Para um budista, por exemplo, ainda que a eutanásia ativa possa ser vista como uma forma de suicídio e ser condenada, a eutanásia passiva pode ser vista como uma atitude de compaixão com o sofrimento alheio.

Resumindo, há tantas interpretações possíveis quanto há sociedades e culturas. O que é certo para uns, é errado para outros. Assim, também existem muitos argumentos a favor e contra a eutanásia. Mas, observando o quadro geral, a esmagadora maioria dos países tende a proibir a prática.

Eutanásia no mundo

Como dissemos, com relação a eutanásia, “contra” e “a favor” parecem ser muito mais posições fixas para debates filosóficos entre os cidadãos em geral do que entre seus legisladores e governantes. Isso porque, se procurarmos nos informar, veremos que apenas um punhado de países europeus e alguns estados americanos permitem algumas formas de morte assistida.

Basta lembrar do Dr. Kevorkian, um médico que ficou conhecido no Brasil através de extensas matérias televisivas, como o “Dr. Morte”, justamente por auxiliar seus pacientes terminais a morrerem. O Dr. Kevorkian, fazia isso no estado americano do Oregon, onde a lei, teoricamente, permitia a prática, mas, mesmo assim, acabou sendo preso.

O caso do “Dr. Morte”, é claro, envolve muitas nuances jurídicas, mas nada muda o fato de que o tema da eutanásia é extremamente difícil de qualquer ângulo que se observe.