Foro Privilegiado

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Foro privilegiado é o nome coloquial para o chamado “foro especial”, um direito concedido a algumas autoridades públicas de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro que garante que essas autoridades possam ter um julgamento especial e particular quando forem alvos de processos penais.

É formalmente chamado de “foro por prerrogativa de função” e é atribuído àqueles que preenchem cargos de alto comprometimento público, como presidente da República, vice-presidente, Procurador-Geral da República, cargos de ministros e membros do Congresso Nacional. Esse direito está previsto no art. 69, inciso VII, e arts. 84 a 87 do Código de Processo Penal. É também chamada de competência originária ratione personae.

Qual o significado da palavra “foro”?

Foro, ou fórum, é o local onde são processados os assuntos que têm relação com a justiça e o Direito. É o mesmo que tribunal. Existem duas maneiras de interpretar a palavra: se pronunciada com o primeiro “o” aberto, fóro, remeterá ao termo de origem da língua latina. Na Roma Antiga, o termo forum nomeava a praça pública das cidades, onde estavam localizados os edifícios com destino aos serviços administrativos e judiciais. Ainda hoje, a palavra “fórum” se refere ao conjunto de espaços onde são administrados os assuntos jurídicos. Quando pronunciado foro, com o primeiro “o” fechado, pode estar relacionado com jurisdição ou alçada, como por exemplo, o foro eclesiástico.

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O que diz a Constituição Federal Brasileira de 1988 sobre o foro privilegiado?

Na Constituição Brasileira de 1988, consta que a investigação e o julgamento das infrações penais das autoridades com foro privilegiado passam a ser competência do Supremo Tribunal Federal – STF. Normalmente, entre indivíduos que não possuem o foro privilegiado, as ações penais costumam ter procedência nos Juízos de primeira instância.  Existem críticas em relação ao foro privilegiado, principalmente por ele causar discórdia quanto à sua procedência mediante o Art. 5 da Constituição Federal Brasileira, que diz que “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. No entanto, o objetivo do foro privilegiado não é julgar a pessoa em si, e sim a atividade do cargo público preenchido pela pessoa sob acusação penal. Ou seja, não é julgada a razão de quem se é, e sim da função executada na sociedade.o que é foro privilegiado

Se houver caso de um crime cometido por algum cargo público beneficiado pelo foro privilegiado contra um indivíduo comum nesse aspecto, o julgamento será assumido pelo mesmo órgão que julga o privilegiado. Não existe foro privilegiado quando o delito é cometido após a aposentadoria ou o término do mandato, conforme manda a Súmula 451 do STF. Se a infração for cometida durante o exercício do cargo ou da função, cessará o foro especial se, antes da decisão final, o agente deixar o cargo ou terminar o seu mandato. O fim do foro privilegiado é assegurado no momento em que a pessoa sob certa acusação penal não assume mais o cargo público que lhe certificava tal privilégio. Neste caso, o seu julgamento não diz mais respeito ao STF.

Perspectivas do foro privilegiado no Brasil

No Brasil, o foro privilegiado foi instituído pela primeira constituição republicana, em 1889, tendo sido aprimorado ou limitado com o tempo até chegar às prerrogativas consideravelmente mais vastas previstas na Constituição de 1988 da Nova República. Na Constituição de 1889, por exemplo, ele contemplava apenas os membros do Supremo Tribunal Federal em crimes de responsabilidade (julgados pelo Senado), e os juízes federais de penúltima instância, o presidente da República e os Ministros de Estado pelos crimes comuns e de responsabilidade (julgados pelo STF).

Agora, a partir da Constituição de 1988, a lista de contemplados pelo foro especial expandiu-se demasiadamente, estando prevista nas competências privativas de cada Tribunal. Em geral, ocorre da seguinte maneira: as infrações penais comuns aos demais cidadãos são julgadas em primeira instância pelos juízes de direito; em segunda instância, pelos Tribunais de Justiça com prefeitos, deputados estaduais e outros cargos designados pelas Constituições Estaduais; em terceira instância (pelo STJ), com governadores, desembargadores dos Tribunais de Justiça membros dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, etc.; e, em última instância (também pelo STF), com Presidente e Vice da República, Ministros do Estado, membros dos tribunais superiores, senadores e deputados federais. Também não citados, mas que possuem o direito são os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, membros do Ministério Público, chefes de missão diplomática permanente, conselheiros de tribunais de contas estaduais, entre outras categorias específicas.

Estima-se que há aproximadamente 55 mil pessoas com foro privilegiado no Brasil, um número considerado exagerado para os padrões mundiais. Além do julgamento especial, o foro privilegiado prevê outros benefícios aos acusados: eles não podem sofrer prisão preventiva ou temporária, sendo que só serão levados para a cadeia em caso de flagrante por crime inafiançável. Porém, a grande quantidade de contemplados pelo foro especial acabou resultando na sobrecarga das instâncias judiciais superiores: com já inúmeros processos de outras naturezas, os Tribunais de Justiça, Superiores e STF recebem muito mais ações do que são capazes de julgar.

Perspectivas do foro privilegiado no mundo

Para entender melhor o que acontece no Brasil, é importante uma abertura à perspectiva mundial. O foro costuma ser exercido em países que têm origem política greco-romana.

Na Inglaterra, os tribunais superiores não efetuavam competência originária em nenhuma matéria, ou seja, apenas funcionam como competência recursal, se pronunciando em casos já analisados previamente por tribunais inferiores. Nos Estados Unidos, também não existe qualquer tipo de influência dos tribunais superiores, federais ou estaduais sobre isso. Em Portugal e na Espanha, por outro lado, existe o foro por prerrogativa de função, mas seu uso é mínimo, tendo abordagens diferentes em cada país. Na França, não existe uma competência penal originária aos altos cargos governamentais, mas em 1993 foi criada uma lei francesa que prevê uma nova corte, a “Cour de Justice de la République”, que possui competência penal apenas sobre os ministros de governo. Na Alemanha, o único caso que se assemelha é o impeachment, mas também existe a chamada Lei Fundamental de Bonn, que afirma que a decisão sobre a aceitação da acusação de um juiz pertence à chamada “Corte Constitucional Federal”, o que se assemelha à prerrogativa de função. Na Itália, a Constituição de 1947 prevê que a Corte Constitucional detém o poder de julgar o Presidente da República por seus crimes. Na Suíça, em sua Constituição de 2006, inexiste menção ao foro privilegiado.

Foro privilegiado: Lava Jato e votações no Senado para o fim do foro especial

No início de 2017, foi à votação e aprovado pelo Senado o fim do foro privilegiado para políticos e autoridades. As únicas exceções são para o presidente da República e presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado durante o exercício do mandato. A proposta de emenda constitucional PEC 10/2013 segue para análise na Câmara dos Deputados, onde passará por dois turnos de votação. A proposta cessa o foro especial em cenários de crimes comuns para deputados, senadores, ministros de estado, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público.

Assim, todas as autoridades e agentes públicos que hoje são beneficiados com o foro passarão a responder aos processos pelas primeiras instâncias da Justiça comum. As únicas exceções são os chefes dos três poderes da União (Legislativo, Executivo e Judiciário) e o vice-presidente da República. Mantêm-se beneficiados pelo foro os crimes de responsabilidade, decorridos em função do exercício do cargo público. Mantém-se também o parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição Federal, que diz que, salvo em flagrante de crime inafiançável, os parlamentares não poderão ser presos. Nestes casos, os autos deverão ser encaminhados à sua Casa Legislativa respectiva, para que, pelo voto majoritário, seja resolvida a questão da prisão. O relator da PEC, o senador Randolfe Rodrigues, observou que, quando a medida for aprovada e aplicada definitivamente, será aplicada imediatamente a todas as autoridades que são alvo de investigação atualmente. Dos 70 senadores que votaram, todos aprovaram a PEC.

Dialogando com uma questão atual, o que será da Lava Jato quando aprovada a PEC que acaba com o foro privilegiado? Até onde se sabe, a maioria dos acusados da operação Lava Jato realizaram seus crimes ainda dentro de seus mandatos, em exercício de seus cargos. Se a proposta fosse sancionada hoje, apenas as investigações contra Eunício de Oliveira e Rodrigo Maia continuariam no Supremo Tribunal, somente enquanto eles ocupassem os cargos de presidentes das casas. Os demais casos que envolvem parlamentares sofreriam o chamado declínio de competência, e assim seriam enviados para juízes de primeira instância pelo Brasil. No caso de inquéritos instaurados contra deputados federais e senadores, eles seriam julgados como homens comuns, caso que se resolveria entre polícia e Ministério Público.

O fim do foro também acabaria por tirar a competência do STJ para investigar os governadores mencionados nas delações. Da mesma forma, deputados estaduais e prefeitos teriam que ser julgados pela justiça de primeiro grau.