Inflação

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Antes de existir Inflação, precisa existir o dinheiro, certo? Não necessariamente. Os dois conceitos andam muito próximos, mas são muito maiores do que os termos técnicos da ciência econômica. Tanto porque ambos surgiram antes da economia como ciência, quanto são sistemas de crenças.

o que é inflação

Uma das formas mais antigas para se explicar o surgimento do dinheiro consiste em apontar que no início se trocava diretamente mercadoria por mercadoria. Depois, algumas mercadorias, por serem de uso ou interesse mais geral, passaram a ser mais aceitas e trocadas e, assim, assumiram a forma primitiva de dinheiro, até que surgisse o dinheiro propriamente dito.

Embora seja verdadeira, esta sequência de eventos esconde a principal característica do dinheiro: o fato de que, em si mesmo, o dinheiro não é nada além de uma crença abstrata. As notas que você têm no bolso e os bits de informação que o banco diz estar guardando para você são ambos uma ilusão.

No caso, a ilusão de que tem valor igual para você e todas as outras pessoas. Como elas também acreditam nisso, a ilusão funciona, pois é coletiva. Mas, este mundo de faz de conta também pode sofrer abalos de credibilidade.

O que é inflação: o exemplo da antiguidade romana

A civilização romana teve uma duração aproximada de mil anos. Nos primeiros séculos, era uma cidade que cresceu apenas o suficiente para dominar pequenas faixas territoriais à sua volta. Nos últimos, era uma cidade decadente em todos os sentidos.

Mas, na maior parte de sua história, foi uma cidade economicamente pujante, militarmente poderosa e culturalmente rica. Suas moedas eram cunhadas em prata, praticamente puras. Conforme seus domínios territoriais se estenderam pelo mundo conhecido, estas moedas passaram a ter valor em todos os cantos.

Um problema decorrente do modelo econômico expansionista romano, entretanto, era o fato de se tornar cada vez mais e mais dependente de novas conquistas territoriais, para que a economia crescesse o suficiente, para bancar os custos cada vez maiores do próprio Estado romano. Sobretudo, para bancar o custo do próprio exército.

Uma das saídas mais utilizadas para contornar o problema era a diminuição da porcentagem de prata na moeda. Ou seja, o Estado podia cunhar mais moedas com a mesma quantidade de prata, mas, pagava suas contas com a mesma quantidade em moedas, independentemente da quantidade de prata em cada uma delas.

Como o sistema de crença das pessoas estava ligado ao valor abstrato da prata, o resultado é que para todas as demais transações comerciais as moedas perdiam valor. Tinham menos prata, valiam menos. Além disso, se passava a existir um número maior de moedas em circulação, mas o volume de mercadorias negociadas e pessoas envolvidas era o mesmo, as moedas também perdiam valor.

Mesmo sendo um valor abstrato, o dinheiro também é uma mercadoria. Esta é a explicação mais básica possível de como funciona a inflação, um processo casado entre desvalorização do dinheiro e alta generalizada de preços.

Inflação atualmente

Quando dissemos que o valor da prata é abstrato, nos referimos ao fato de que não há nada de raro neste metal específico. Há muita prata no mundo, mas mesmo sendo um metal comum, é considerado precioso. Porque acreditamos que seja.

Mas, atualmente, não há ouro, prata, nem nada equivalente em nossas moedas. Em muitos casos, não há nem mesmo um papel, apenas um número armazenado em algum banco de dados. A nossa crença passou a residir no próprio sistema financeiro.

Como consequência, os processos inflacionários se tornaram mais complexos. A lógica ainda é a mesma, mas, seu funcionamento inclui muito mais variáveis. Além disso, apesar da explicação simples que demos, dentro da ciência econômica existem várias escolas e cada uma delas explica e classifica os tipos de inflação de forma diferente.

Tentando simplificar novamente, poderíamos dizer que existem três tipos básicos:

  1. Inflação de demanda. Digamos que amanhã, sem qualquer aviso, o governo decida dobrar o salário mínimo. Por mais que as pessoas pudessem ficar felizes num primeiro momento, o efeito em pouco tempo seria um processo inflacionário. O mesmo número de pessoas, a mesma quantidade de produtos à venda, mas, do nada, mais dinheiro no mercado. Resultado: aumento de preços.
  2. Inflação de oferta (de custo). Digamos que boa parte dos cidadãos precise dos ônibus públicos. Mas, eles pagariam qualquer preço por esse serviço? Suponha que amanhã, sem qualquer aviso, o diesel subisse 300%. As empresas de ônibus acabariam aumentando suas passagens de acordo. Como nem todos poderiam pagar, o consumo cairia. Com o diesel mais caro e menos clientes, os preços teriam de ser ainda maiores.
  3. Inflação por inércia. Digamos que você tem uma padaria. Você tem muitos custos com funcionários, fornecedores, manutenção, contabilidade, licenças, limpeza, etc. Digamos que um ou outro sobe de vez em quando, mas você acredita que continuarão subindo, então, mesmo sem uma justificativa plausível, aumenta os seus preços. Espalhe essa crença na sociedade e teremos inflação, mesmo sem motivo.

Os dois primeiros tipos são objetivos e estabelecem uma relação mínima com a realidade, com o mundo concreto. O último tipo é puramente abstrato, baseado apenas em um sentimento. De certa forma, a inflação atual no Brasil é deste tipo. Por sorte, é um processo moderado, mas constante.

Por isso, apontar causas da inflação nem sempre é fácil. Considere que é possível que um processo inflacionário comece com um aumento abrupto de salários, mas, no meio, as pessoas se habituem e passem a acreditar que tudo continuará subindo. Pra terminar, uma guerra no Oriente Médio causa uma crise de abastecimento de petróleo, o que inflaciona os combustíveis e acaba piorando o processo.

Podemos colocar os três em qualquer ordem. O resultado é o mesmo: inflação.

Inflação no Brasil

Como o país já viveu um longo período de inflação galopante, após a estabilização da moeda, o Estado passou a trabalhar com um regime de metas de inflação. Ou seja, o governo, querendo manter a inflação sob controle, estabelece um número máximo aceitável para a inflação anual.

Ao longo do ano, o Banco Central acompanha os índices de inflação escolhidos pela equipe econômica e, conforme a situação, intervém nas tendências das taxas de juros. Dentro do modelo atual, é um de três instrumentos que têm à sua disposição, além da manipulação do câmbio e do controle sobre a quantidade de moeda circulante.

A teoria é a seguinte; a capacidade total de compra da população equivale à soma dos seus rendimentos mais a sua possibilidade de endividamento. Ou seja, se você tem uma renda mensal de R$ 1000,00, mas também tem créditos pré-aprovados e dois ou três cartões de crédito, sua capacidade total de compra é maior do que os mil que efetivamente tem para gastar.

Se a inflação dispara, o Banco Central pode elevar a taxa de juros, tornando o crédito mais caro. Se o crédito fica mais caro, sua capacidade de endividamento diminui, porque, com o governo pagando juros mais altos, os bancos irão preferir emprestar o dinheiro ao governo do que ao cidadão comum.

A consequência, em teoria, é que o dinheiro se torna mais escasso e caro para o grosso da população. Freando, portanto, a demanda e a inflação. Como a política de juros dura meses, os efeitos só são sentidos na inflação acumulada, não sendo visíveis imediatamente.

Para que servem as metas de inflação?

Mais uma vez em teoria, quando o governo anuncia antecipadamente que a inflação será, digamos, de 5% num ano específico, está emitindo um sinal de que a economia está sob controle. Ou seja, está passando credibilidade.

No entanto, há um problema interno aos métodos utilizados, principalmente com relação à taxa de juros. O que temos visto nos últimos anos é uma inflação decrescente, em função da crise, mas uma política de juros altos. Evidentemente, há algo de errado, tanto na teoria, quanto na prática.

Tanto os governos de esquerda, quanto de direita, parecem seguir a mesma cartilha neste quesito. Se é que podemos chamar nossos governos por estes nomes. Esta é uma das principais críticas ao modelo econômico atual. A política de juros se descolou da meta inflacionária.

De qualquer forma, sua eficácia no Brasil é extremamente discutível. O modelo de compra a crédito no país é muito diferente do que ocorre no resto do mundo capitalista. Por exemplo, aqui temos a prática das “tantas vezes sem juros”, o que é mentira, mas estamos acostumados a aceitar.

Os juros são embutidos e o cidadão apenas se preocupa se a parcela cabe no seu orçamento, não com o montante de juros que pagará. Neste sentido, aumentar ou baixar o preço do crédito tem pouco ou nenhum efeito sobre a demanda e, por consequência, sobre um possível processo inflacionário.

A taxa de câmbio também tem um efeito moderado no controle da inflação, embora mais direto, já que alguns insumos como o diesel são precificados em dólar. Já a moeda circulante tem um potencial grande de influir na inflação, mas é raro que o Banco Central mexa nesta política específica.

Resumindo, a aparência é de controle rígido da inflação por parte do Banco Central, mas a prática faz pensar que talvez a inflação esteja sob controle mais por sorte, ou pela crise, que por qualquer outro motivo.