Política Monetária, fiscal e cambial

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Em primeiro lugar, vamos discutir rapidamente o significado da palavra “política”, no sentido específico que as expressões do título pretendem transmitir.

O entendimento mais imediato da palavra nos remete ao seu sentido amplo, ou seja, o processo político, profissional ou não, que envolve partidos, debates públicos, campanhas eleitorais, entre outros aspectos. Mas, quando falamos de política fiscal, por exemplo, estamos nos referindo a duas instâncias específicas.

o que é política monetária

De um lado, temos a política fiscal do Estado. Esta é uma política estratégica de longo prazo. Em outras palavras, corresponde ao plano geral de gerenciamento das questões referentes àquela área, independentemente do governante.

De outro, temos a política fiscal de governo. Uma adaptação da primeira para os problemas mais cotidianos.  Neste nível, o governo procura seguir uma orientação estratégica ampla, mas é obrigado a fazer pequenas adaptações conjunturais.

Plano Real: o exemplo perfeito

O Plano Real foi criado no governo de Itamar Franco (PMDB), perenizado nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e enfim, mantido pelos governos Lula e Dilma (PT). Portanto, podemos dizer que o plano é um política estratégica de longo prazo, que dita regras gerais para a gestão fiscal, monetária e cambial.

Isto foi possível porque, após décadas convivendo com processos inflacionários, o Real estabilizou a moeda do país, se consagrando como um acerto político e econômico. Diante deste fato, ninguém discute mudanças na sua lógica. Ou seja, uma versão política da expressão: “em time que está ganhando, não se mexe”.

O que podia mudar, por exemplo, eram os limites dentro dos quais cada um dos governos citados trabalhava com os juros – a taxa SELIC; mas, como a própria política de gestão dos juros fazia parte de um dos pilares do Plano Real, mesmo nesta área, as diferenças são bastante sutis de um governo a outro.

Para entender melhor, vamos repassar estes pilares político-econômicos, tentando separar as áreas fiscal, monetária e cambial. Mas tenha em mente que elas estão permanentemente entrelaçadas.

O que é política fiscal, monetária e cambial?

Os conceitos de política fiscal e política monetária são bastante específicos e soam como se fossem coisas distintas. Mas dentro da lógica da gestão econômica atual, a distinção entre elas não permite a visão do todo. Vejamos:

  1. Política fiscal: de forma geral, o conceito de política fiscal envolve a maneira com que um governo lida com os impostos, na entrada dos recursos, o quanto cobra e de quem cobra; mas, também na saída, o como gasta aquilo que arrecada. Nesta área, está um dos pilares da política econômica fundada pelo Plano Real: o superávit primário.

Traduzindo, isso significa que o governo persegue um saldo sempre positivo entre suas receitas e seus gastos. Imaginando uma família genérica, a ideia é, grosseiramente, a seguinte: a família está endividada (o governo sempre está endividado), os seus membros somados recebem anualmente cerca de 50 mil, mas gastam anualmente, apenas 45. O superávit desta família é de 5 mil.

Aquele dinheiro que sobra no final do ano é o que a família pode utilizar para pagar os juros de sua dívida ou quitar a mesma. No caso do governo federal, existem metas para o superávit que independem das circunstâncias; são fruto de um outro pilar econômico: a austeridade fiscal.

  1. Política monetária: é a maneira com que o governo lida com a moeda. A quantidade em circulação, o valor relativo a outras moedas e, também, a política de juros. Mais uma vez, parece que estamos tratando de coisas totalmente separadas, mas são aspectos de uma mesma estratégia geral de gestão. Vamos passar um a um.

2.1 Quantidade e valor: mesmo que seja incomum pensar desta forma, a moeda é como qualquer outra coisa disponível para compra e venda. Muito produto e pouca demanda gera queda de preços (deflação); pouco produto e muita demanda, gera aumento de preços (inflação).

Muita moeda disponível e baixa circulação, ou seja, poucas transações financeiras e comerciais, geram um excesso de capital disponível. Moeda em excesso é similar a um produto que ninguém compra, perde valor. Para dar um exemplo grosseiro, é o que acontece quando os empréstimos bancários ficam mais baratos. O contrário também é verdadeiro.

Para controlar este aspecto da economia, o governo conta com alguns instrumentos como aumentar ou abaixar os depósitos compulsórios que os bancos têm de fazer no BC (Banco Central). Trocando em miúdos, os bancos são obrigados a depositar parte de seus recursos no BC. Se o governo aumenta a porcentagem obrigatória, diminui a quantidade de dinheiro disponível. Como consequência, aumenta o preço do dinheiro.

2.2 Política cambial: ou a maneira como o governo lida com o valor da moeda nacional, em relação às moedas internacionais. Normalmente, tomando o dólar como parâmetro. Novamente, a lógica do funcionamento da taxa de câmbio de uma moeda é similar aos exemplos anteriores, porém, existem duas maneiras de lidar com o câmbio.

Dentro do Plano Real, um dos pilares é o câmbio flutuante. Ou seja, o BC permite que o mercado atue livremente nas transações de compra e venda, mas, caso haja muita procura, muita transações de compra, o valor do dólar pode aumentar acima de uma meta preestabelecida. Neste caso, o BC vende suas reservas em dólar, aumentando a oferta e, idealmente, baixando o valor da moeda americana.

No regime de câmbio fixo, a atuação do BC visa um valor específico para a taxa cambial, portanto, estipula o preço de sua moeda em relação ao dólar. Foi o que fez a Argentina anos atrás, quando estabeleceu a paridade de 1 para 1 entre a sua moeda e o dólar.

2.3 Política de juros: a grosso modo, a política econômica brasileira se baseia na manutenção de altas taxas de juros. A teoria inicial do Plano Real era diferente, mas a prática tem demonstrado que vivemos um ciclo de juros altos, seguido de um ciclo de juros mais altos ainda.

Quando o governo fixa a taxa básica de juros – a taxa SELIC – ele está emitindo um sinal para o mercado financeiro. Se o governo estabelece sua taxa de juros em 10% anuais, este passa a ser o piso a partir do qual todas as demais taxas de juros do mercado se estabelecerão.

Se o governo paga 10% de juros ao mercado, o próprio mercado vai cobrar mais do que isso em suas transações. Não existe uma forma simples de explicar este ponto, mas a teoria diz que, baixando as taxas de juros, o governo torna o dinheiro mais barato. Aumentando, o torna mais caro.

Política monetária e política fiscal: diferenças

Como vimos, a política fiscal tem a ver, principalmente, com o manejo das contas do próprio governo, enquanto a política monetária está mais relacionada ao mercado de forma ampla. No entanto, para que a economia de um país funcione adequadamente, a relação entre política fiscal e monetária precisa estar afinada.

Um governo com contas desequilibradas, tanto positiva quanto negativamente, pode desestabilizar a economia. Quando endividado e com fluxo negativo, o governo perde a capacidade de investimento. Em casos extremos, como vemos hoje em alguns estados da União, perde até mesmo a capacidade de manutenção dos serviços básicos, o que tende a afetar a economia como um todo.

Quando o governo tem fluxo positivo, em teoria não há problemas, mas, na prática, uma das funções do Estado é atuar como motor da economia, investindo em áreas estratégicas. Se deixa de fazer isso e apenas paga dividas ou acumula reservas, corre o risco de ver a economia estagnar.

Da mesma forma, uma economia desequilibrada torna a atuação do governo infinitamente mais difícil. Basta lembrarmos como as coisas funcionavam no período inflacionário, anterior ao Plano Real.

Política econômica expansionista ou contracionista

Como estamos em um período de estabilidade monetária, o governo passou a ter uma segurança maior para atuar no mercado de forma a aquecê-lo ou desaquecê-lo. Para dar um exemplo do que esta ideia significa, o governo pode adotar, de acordo com as circunstâncias, uma política cambial expansionista e (ou) contracionista.

Isto é, quando quer estimular a economia, pode comprar grandes volumes de dólares no mercado, aumentando o valor da moeda estrangeira. A consequência é que, com o dólar mais caro, o mercado interno se aquece e, ao mesmo tempo, os produtos brasileiros ficam mais baratos para o estrangeiro, o que redunda em aumento das exportações que, por sua vez, estimula a produção industrial, gerando empregos.

Utilizando uma terminologia mais correta, esta seria uma política cambial alinhada com uma política econômica expansionista. Se quisesse desaquecer o mercado interno utilizando a política cambial, o governo faria o contrário, vendendo grandes quantidades de dólares.

Últimas considerações: Política monetária, fiscal, cambial e de rendas

No contexto atual, ou melhor, da última década, a estabilização da moeda e a manutenção dos pilares da política econômica também permitiu ao governo ampliar sua atuação na área social. Uma das políticas decorrentes deste fato é a da distribuição de renda.

Uma orientação geral parte do pressuposto de que a saúde econômica depende da inclusão de todos os cidadãos em um patamar mínimo de renda e, também, de acesso aos serviços básicos para sua sobrevivência. Na esteira deste pensamento, foram criados, ou ampliados, inúmeros programas governamentais, dos quais o mais conhecido é o Bolsa Família.

Como se trata de uma “quase” novidade no ambiente político brasileiro, a política de renda de caráter redistributivo enfrenta a desconfiança de parte da população e não há certeza se haverá continuidade, conforme ocorrerem mudanças de governo. Portanto, é difícil dizer se chegará a se tornar uma política de Estado.