Presunção de Inocência

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Você já deve ter ouvido frases como “ninguém é culpado até que se prove o contrário” ou “nenhum indivíduo tem obrigação de produzir provas contra si mesmo”. Esses enunciados, bastante populares nos dias de hoje, se aplicam a um princípio previsto na Constituição Federal de vários países, inclusive o Brasil: o Princípio da Presunção de Inocência.

Essa medida, que remonta ao Império Romano, começou a ser aplicada mais fortemente a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1789, na França. Seu objetivo nasceu da necessidade de se respeitar os direitos à liberdade e à vida do cidadão, evitando que um suposto infrator ficasse à mercê das arbitrariedades do Estado.

Vamos entender o que é, quando e como se aplica esse princípio no âmbito do Direito.

o que é presunção de inocência

O que é Presunção de Inocência?

O princípio da presunção de inocência é um estatuto que garante ao acusado de um crime a prerrogativa de não ser considerado culpado até que seja julgado e sentenciado.

Previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal Brasileira de 1988, ele prega que: “ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Popularmente, equivale a dizer que “ninguém é culpado até que se prove o contrário.”

A presunção de inocência evita que se aplique uma pena sem que se tenham provas suficientes de culpabilidade do indiciado, ou seja, penalizar um inocente. Também garante ao acusado um julgamento justo, respeitando-se a dignidade da pessoa humana, conforme prega o Estado Democrático de Direito.

Como definiu Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria em sua famosa obra “Dos Delitos e das Penas”, sobre a legislação penal: “Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi dada”.

Conceito da Presunção de Inocência

Pode-se definir como presunção de inocência o princípio a partir do qual todo indivíduo é presumivelmente inocente da acusação de qualquer prática criminal ou infração até que se tenha reunido provas inquestionáveis de que ele realmente cometeu esse crime. Concede-se ao indiciado, assim, o chamado “benefício da dúvida”.

Ser presumivelmente inocente dá ao indivíduo o direito a um julgamento justo, onde sejam respeitados seus direitos, principalmente à ampla defesa.

História da Presunção de Inocência

Se voltássemos à Idade Média, presenciaríamos um grande contraste em relação ao Direito Moderno. Nessa época do Estado Absolutista, este tinha total controle sobre o indivíduo, sua vida e liberdade.

Era um verdadeiro “festival” de procedimentos inquisitoriais e desrespeito aos direitos do cidadão.  As atrocidades cometidas pelo Estado eram tantas no século XVIII, que surgiu a necessidade de se limitar essa prática. Daí nasceu o Princípio da Presunção de Inocência.

A primeira vez em que ele foi citado foi na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, proclamada pela Assembleia Nacional Francesa, em 1789. Promulgada durante a Revolução Francesa, essa Declaração determinava em seu artigo IX que:

“Todo homem é julgado inocente até que seja declarado culpado; se é indispensável detê-lo, qualquer rigor que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa, deve ser severamente proibido por lei.”

Esse princípio hoje integra o sistema processual de vários países, incluindo o Brasil, estando presente em diversos estatutos internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, 2) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, 1948.

A Importância da Presunção de Inocência

A presunção de inocência é o princípio a partir do qual se garante ao cidadão o direito a um julgamento justo e dentro da lei, impedindo que sejam cometidas contra ele arbitrariedades, como uma prisão irregular, ameaça à sua integridade física ou condenação sem provas.

Esse princípio foi instituído para que a sociedade não regredisse ao estágio de total arbítrio estatal, quando não se respeitavam os direitos individuais e o Estado tinha direito absoluto sobre a vida e a liberdade da população. Pode-se dizer que essa medida foi uma evolução entre as garantias constitucionais e uma conquista importante para a sociedade.

Princípio da Presunção de Inocência – Processo Penal

Como consta no Corpus Juris Civilis, obra que reuniu as leis romanas, por ordem do Imperador Justiniano (482-565), “ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat” (o ônus da prova cabe a quem acusa, não a quem nega).

Entende-se, assim, que em um processo penal, cabe ao Estado comprovar a culpabilidade do acusado, que é, na forma da lei, presumidamente inocente. Portanto, todo réu terá direito a ampla defesa, com todas as garantias processuais, não podendo ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em suma, existe uma presunção de inocência que deve ser respeitada e garantida pelo Estado.

O que é trânsito em julgado?

Por trânsito em julgado, entende-se o momento em que não cabem mais recursos para evitar a condenação. Como cita o professor Nestor Tavara, “a regra é a liberdade e o encarceramento antes de transitar em julgado a sentença condenatória deve figurar como medida de estrita exceção”.

Princípio da Presunção de Inocência – Doutrina

De acordo com essa doutrina, o princípio da presunção de inocência é traduzido tanto em deveres quanto em regras.

-Regra de tratamento – Determina que todo indiciado (acusado) seja tratado como inocente, desde a investigação preliminar até o trânsito em julgado do caso penal. Isto é, até que se defina a certeza de sua culpa, por meio de uma sentença irrecorrível. O uso de algemas ou prisão cautelar, por exemplo, seriam medidas excepcionais em casos muito específicos.

-Regra probatória – Também expressa na máxima “in dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu), essa regra prega que, no processo penal, é a acusação quem deve provar que o indiciado é culpado, não tendo ele que provar sua inocência. Se o Estado não conseguir provar a autoria do crime, o réu será absolvido, entendendo esse princípio que, sem certeza absoluta da culpa, é preferível correr o risco de absolver um culpado do que condenar um inocente.

-Garantia contra opressão pública ou privada – É obrigação do Estado adotar todas as medidas para manter a integridade física do acusado, assegurando a ele um tratamento digno.

Princípio da Presunção de Inocência e Não Culpabilidade – Diferença

Como já se citou anteriormente, ambos os conceitos se equivalem, sendo que presumir que um réu é inocente constitui o mesmo que se presumir que ele não tenha culpa no crime do qual está sendo acusado, ou seja, princípio da não culpabilidade. Ademais, perante à Justiça, quem tem que provar a culpa é quem acusa, não tendo o acusado que provar sua inocência.

Presunção de Inocência – STF

Recentemente, um caso de julgamento de habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal, provocou polêmicas com relação ao princípio da presunção de inocência.

No julgamento do HC (Habeas Corpus) 126.292/SP, o então relator Ministro Teori Zavascki propôs uma jurisprudência no Princípio da Presunção de Inocência, de forma a manter a prisão preventiva de um acusado, após sua condenação em segunda instância pelos Tribunais de Justiça.

A medida foi acatada com sete votos contra quatro, sendo que os Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luiz Rberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram a favor da jurisprudência e os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsk, votaram contra. Com isso, o habeas corpus foi indeferido.

Ao renunciar ao princípio da presunção de inocência, a decisão do STF causou grande controvérsia e repercussão no meio jurídico, recebendo tanto críticas quanto apoio.

Os que defendem essa jurisprudência afirmam que muitos acusados se beneficiam do princípio da presunção de inocência e da morosidade da justiça para protelar ao máximo a execução de uma pena, o que reforça a impunidade. Os que a condenam, acreditam que essa prerrogativa ameaça a manutenção de um direito soberano adquirido pelo cidadão, o de poder se defender em liberdade e somente ser considerado culpado após o julgamento e provas irrefutáveis de crime.

Princípio da Presunção de Inocência – Jurisprudência

O termo “jurisprudência” quer dizer “a ciência da lei” e aplica-se ao conjunto de decisões e interpretações da lei.

Porém, também pode ser usado para definir decisões tomadas por um Tribunal Superior, adaptando a lei a uma situação de fato. Jurisprudência seria, no caso, uma nova interpretação de uma lei por parte de um Tribunal à qual não se pode mais recorrer. Na situação do julgamento citado acima, houve uma jurisprudência. O Tribunal indeferiu o pedido, mantendo a prisão preventiva do acusado antes do trânsito em julgado, o que significa que não se cumpriu, nesse caso, o princípio da presunção de inocência.

Princípio da Presunção de Inocência – Processo Administrativo

Numa sociedade em que se deseja o cumprimento da lei e o respeito aos direitos humanos, entende-se que também no âmbito administrativo, devem-se respeitar os princípios e regras presentes na Constituição Federal. Assim, embora o princípio da presunção de inocência tenha mais destaque no campo penal, não existem obstáculos a que ele seja também aplicado no campo do direito administrativo, onde devem ser mantidas todas as garantias processuais.

Por analogia, valerão todas as regras, como a probatória (cabe ao acusador provar a culpa), de tratamento (ninguém pode ser tratado como culpado antes de prova de culpa) e princípio in dubio pro reo, que leva a absolvição em caso de dúvidas.