Quem cria as leis?

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Desde que arqueólogos encontraram o Código de Hamurábi, no início do século XX, sabemos que a tradição de se escrever um conjunto de regras legais tem, pelo menos, cerca de quatro mil anos. Mas, durante a maior parte deste tempo, o direito de legislar – isto é, quem pode criar as leis – sempre esteve restrito a um punhado de nobres.

Independente da sociedade ou da era histórica, o regramento da vida em sociedade era dado por uma elite específica. Este ordenamento durou até, pelo menos, a metade do século XVIII, quando as sociedades humanas já haviam se tornado complexas demais para que apenas um pequeno grupo de pessoas ditasse as leis.

Neste período, ocorreram as revoluções americana e francesa, ambas essenciais para a formação das sociedades contemporâneas relativamente mais preocupadas com o bem comum. Ainda antes do fim daquele século, nasceria a democracia americana, e com ela, uma das legislações mais antigas ainda em vigor.

quem cria as leis

Certamente, a primeira a ser escrita por pessoas de origem comum: juristas, cientistas, filósofos, políticos e também proprietários de terras e escravos. Nenhum deles pertencia à nobreza. Daquele momento em diante, a tendência que se estabeleceu era a de sociedades regidas por complexos sistemas judiciários.

Neste novo modelo, a criação das leis passava para as mãos de um grupo maior de pessoas, a maioria delas com algum tipo de formação ou experiência técnica na área. Mas, conforme o modelo democrático foi se espalhando pelo ocidente, também foram surgindo inúmeras variantes.

De forma geral, foi estabelecida uma divisão do poder público em três esferas, sendo que o poder legislativo seria o responsável pela criação das leis. Mas, a divisão não é tão rígida. Há exceções e, principalmente, para o que nos interessa, hoje, um número muito maior de membros da sociedade pode propor leis. Sendo assim, vamos ver como funciona o processo no Brasil.

Quem cria as leis no Brasil?

Ao contrário dos Estados Unidos, o direito brasileiro é positivo. Isto é, nosso pressuposto jurídico é o de que todas as regras precisam estar escritas e detalhadas. Esta pequena diferença tem uma importância gigantesca na forma como a nossa sociedade funciona.

Uma das consequências imediatas do direito positivo é que temos uma quantidade muito grande de leis. Além disso, continuamos criando mais leis. Este fato não torna o direito positivo ruim, mas certamente o torna muito mais burocrático.

Não porque o processo americano seja mais ágil – na verdade, é bastante similar – mas, no Brasil, lidamos com um volume muito grande de leis a serem votadas e aprovadas. Basta observarmos como é o processo de criação das leis.

Tudo começa com uma proposta, um esboço do que se pretende transformar em lei. Em teoria, qualquer cidadão pode iniciar este processo, mas há definições muito claras na Constituição Federal sobre quem pode apresentar projeto de lei.

É isto mesmo que você leu: qualquer cidadão pode iniciar um projeto de lei, mas apenas alguns chegam ao ponto de poderem ser apresentados, efetivamente, como projetos para aprovação no poder legislativo. Vamos ver quais são as possibilidades.

Quem pode apresentar projetos de lei?

1. O poder legislativo: vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores são os cidadãos brasileiros que têm esta prerrogativa por profissão. Ou seja, são eleitos exatamente para propor, modificar, extinguir e aprovar leis.

Qualquer um deles pode apresentar projetos individualmente ou em grupos, as chamadas comissões parlamentares. Claro que o vereador pode apresentar leis apenas no âmbito municipal; deputados estaduais no estadual e os demais, no âmbito federal.

Para que se tenha ideia de volume, alguns projetos de lei, como emendas à constituição, precisam ser propostos por um certo número de parlamentares. Na Câmara dos Deputados, este número é de 171. Deve ser difícil conseguir alcançar o apoio de tantos congressistas, certo?

Na verdade, não é. Apenas neste ano, temos cerca de 350 projetos deste tipo. No total, contando somente emendas à constituição, temos mais de 3500 projetos em algum estágio de análise. A constituição federal tem apenas 250 artigos.

2. A presidência da República: o nosso sistema presidencialista confere ao presidente um poder bastante abrangente. De um lado, pode propor leis ordinárias, ou seja, leis que não alteram a constituição nem interferem nas regras impostas por ela.

De outro, o presidente também pode editar medidas provisórias. Traduzindo, pode criar uma “lei provisória”, cujo prazo de validade é de 60 dias. Para que vire uma “lei permanente”, o Congresso Nacional precisa aprovar o texto. Caso contrário, a medida perde o efeito.

3. Tribunais superiores e procuradoria da República: os ministros dos cinco tribunais superiores – STF (Supremo), STJ (Justiça), TST (Trabalho), TSE (Eleitoral) e STM (Militar) podem iniciar o processo legislativo, mas só podem propor leis sobre a gestão do próprio poder judiciário, cada um em sua área.

Por outro lado, cada um dos tribunais tem um poder muito mais determinante que propor novas leis. Podem ditar como as leis que já existem devem ser interpretadas. As chamadas jurisprudências.

A PGR (Procuradoria Geral da República) também pode apresentar projetos de lei, também limitados à gestão de sua própria estrutura. Quadro de funcionários, tetos salariais, distribuição orçamentária e assim por diante.

Após todos esses, finalmente temos o povo. Os cidadãos podem apresentar os chamados Projetos de Lei de Iniciativa Popular. No entanto, como veremos adiante, se já é difícil para os próprios políticos e membros do poder público, imagine para o cidadão comum.

Como criar uma lei: passo a passo

Digamos que você tenha uma ideia muito boa para um projeto de lei. Antes de arregaçar as mangas, procure estudar os milhares de projetos que já estão em tramitação. Há uma chance bastante razoável de que sua ideia já esteja entre eles. Se for este o caso, considere apoiar o projeto existente. No mínimo, você economiza tempo, dinheiro e muito papel.

Não existindo nada parecido, sua tarefa será difícil, mas não impossível. O primeiro passo, mais importante que escrever o texto base do projeto, será conseguir apoio. Muito apoio popular. A legislação brasileira determina que qualquer cidadão pode apresentar um projeto de lei, desde que reúna a assinatura de 1% dos eleitores registrados.

No caso de uma lei federal, isso significa aproximadamente 1,5 milhão de eleitores. Além disso, não basta o número apenas, ainda é preciso que sejam eleitores de, pelo menos, cinco estados diferentes. Mesmo utilizando as redes sociais, não é simples convencer tanta gente.

Uma boa ideia para atingir o objetivo é procurar uma sociedade civil vinculada à área sobre a qual seu projeto pretende legislar. Por exemplo, se você pretende criar uma lei de proteção ambiental, procure o Greenpeace ou outras entidades do tipo. Melhor ainda, procure todas.

Supondo que você tenha conseguido os apoios necessários, então chegou a hora de formalizar o projeto. Neste ponto, já terá a ajuda de tanta gente que dar forma final ao projeto será o menor dos problemas. Entre os seus 1,5 milhão de eleitores, certamente haverá muitos capazes de elaborar o texto.

O problema real será fazer com que o poder legislativo aprove o seu projeto. Isso porque, independente de qual poder cria as leis, ou melhor, cria os projetos de lei, quem aprova as leis é o poder legislativo. Disto, não há escapatória. Por este motivo, talvez seja melhor começar regionalmente, ou seja, pelo seu município.

Mas, não se engane, como em qualquer atividade humana, não será necessariamente mais fácil, apenas porque a região é menor. De qualquer forma, vejamos como as coisas funcionam nesta esfera.

Quem pode apresentar projeto de lei municipal?

O processo é muito similar ao explicado anteriormente, mas, para o cidadão comum, há uma complicação extra. Em nível municipal, é necessária a assinatura de 5% dos eleitores registrados. Fora este ponto, todos os passos são basicamente os mesmos.

  1. Pesquise pelos projetos em tramitação na Câmara Municipal: assim como o Congresso tem milhares de projetos em análise, sua cidade provavelmente também tem. Não custa verificar na página institucional ou mesmo, ir até o local.
  2. Contate diretamente os vereadores: uma das vantagens da instância municipal é que pode ser mais fácil conseguir falar diretamente com os vereadores. Mesmo que não seja, você vai conseguir falar com os assessores.
  3. Não esqueça das sociedades civis: não importa a área social, sempre há alguma organização civil envolvida com o tema. Também tenha em mente que não precisa ser um entidade da sua cidade. O Greenpeace não se interessa apenas pelas baleias, assim como entidades nacionais não se interessam apenas por questões nacionais.

Além disso, sociedade civil é um termo amplo. A igreja pode ser sua aliada dependendo do assunto; da mesma forma, sociedades beneficentes, sindicatos ou ainda, clubes de futebol, empresas, entre outras possibilidades.

Daí por diante, o processo é o mesmo de antes. Uma vez garantidas as assinaturas, o projeto precisa ser protocolado na Câmara de Vereadores e o problema passa a ser fazer com que eles apoiem, discutam e votem o projeto de lei.

Se conseguir tudo isso, o cidadão terá suas ideias traduzidas em uma regra geral, e quem executa as leis, ou seja, o poder executivo, tanto quanto aqueles que obedecem as leis – em teoria, todos os cidadãos, ainda que apenas no seu município, terão de cumprir o que lá estiver escrito.