Reeleição

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A possibilidade de Reeleição é um tema complexo em qualquer sistema político do mundo, essencialmente porque há sempre uma insatisfação com ela quando se está do lado perdedor, mas, também, porque abre as portas para práticas políticas escusas a partir da apropriação da máquina estatal por alguns políticos.

Em democracias instáveis, como a brasileira, o tema está sempre em discussão e, aparentemente, demoraremos a chegar em algum consenso. Por outro lado, na democracia mais antiga e estável do mundo, o tema também só se tornou consensual há relativamente pouco tempo.

Franklin Roosevelt, o maior presidente da história americana, pelo tempo em que ocupou o cargo, foi reeleito três vezes. Venceu a primeira eleição em 1933 e sua gestão bem-sucedida da economia durante a crise daquela época, além do comando firme das forças americanas durante a Segunda Guerra Mundial, teriam garantido quantas eleições posteriores quisesse.

o que é reeleição

Seu domínio político era tão grande que, mesmo os adversários republicanos, insatisfeitos com a situação, só tiveram coragem e ambiente político para mudar as regras após sua morte, em 1945. No ano seguinte, a legislação foi alterada para permitir apenas uma reeleição. Padrão que permanece até hoje.

Neste mesmo sentido, os brasileiros com boa memória sabem que, se em 2010 fosse permitido ao ex-presidente Luís Inácio concorrer mais uma vez, com cerca de 83% de aprovação popular, teria derrotado facilmente qualquer candidato, de qualquer partido. Possivelmente, seria o presidente até hoje.

Como esta percepção causa urticárias em adversários políticos e também em parte da população, seguimos discutindo o tema, mas, em termos estritamente pragmáticos, o instituto da reeleição em si mesmo não é bom, nem mau, apenas controverso. Aliás, sempre foi. Por isso, o melhor que podemos fazer é repassar o panorama histórico da República brasileira.

Por que a reeleição existe?

Esta pergunta tem uma resposta bem mais simples do que pode parecer à primeira vista. Na verdade, quando analisamos um país complexo como o Brasil, ou mesmo outros similares, percebemos que quatro ou cinco anos de governo podem parecer muito, mas, na verdade, é pouco tempo.

Para a implementação de políticas realmente transformadoras, com exigência de continuidade, é um tempo simplesmente insuficiente. Por outro lado, permanências continuadas no poder geram desconfiança, instabilidade e, eventualmente, aumento da corrupção.

Na história da nossa República, a possibilidade de reeleição no Brasil já foi instituída e proibida algumas vezes, sempre de acordo com os ventos instáveis das disputas políticas momentâneas. Ou seja, sem uma preocupação real com os efeitos de longo prazo.

Pensando apenas na presidência, no início, a partir de 1889, a reeleição era permitida, mas a República era tão frágil e as disputas políticas tão intensas, que uma hegemonia política era uma impossibilidade. Aos poucos, para apaziguar as disputas, estabeleceu-se um equilíbrio relativo na chamada política do café com leite.

Um acordo entre os principais políticos mineiros e paulistas decidiu que houvesse um rodízio previamente combinado, na ocupação da presidência, exclusivamente entre eles. Esse acordo, em uma República iniciante, na prática, tornava o Brasil uma espécie de colônia das elites latifundiárias paulistas e mineiras.

Em 1930, as insatisfações com a situação acabaram criando as condições para uma revolução (que os paulistas chamariam de golpe), levando Getúlio Vargas ao poder, de onde só sairia em 1945. Mas, ao contrário de Roosevelt, Getúlio foi efetivamente eleito para o cargo apenas uma vez neste período.

De 1930 a 1934, era um governo “provisório”. Em 1934 foi eleito, em 1937 deu um golpe em si mesmo, permanecendo como “ditador” até 1945, quando o cenário mundial do fim da Segunda Guerra praticamente exigiu sua saída do poder. Então, o Brasil iniciou seu primeiro período digno de ser chamado por democrático, com eleições relativamente livres.

Daí por diante, tivemos um período de alternância e intensas disputas políticas, sem o estabelecimento de hegemonias políticas, até a malfadada eleição de Jânio Quadros, o presidente que renunciaria em 1961, jogando o país em uma crise política que terminaria apenas em 1985, com o fim da ditadura militar. E é neste momento que a reeleição se torna um tema relevante pela primeira vez.

A abertura democrática e a tragédia brasileira: reeleição não!

No contexto da abertura democrática, mas, antes das primeiras eleições livres, o Congresso estava entre Ulisses Guimarães e Tancredo Neves como opções para ocupar a primeira presidência civil dos novos tempos. A tragédia brasileira ficou por conta da morte de Tancredo e da presidência ter caído no colo de alguém que, no fundo, ninguém queria: José Sarney.

Em função do inusitado, nas negociações do congresso, acabou sendo acertado politicamente o fim da reeleição e mandato de 5 anos. Ou seja, para impedir que Sarney tivesse a possibilidade de se reeleger, o que de todo modo seria improvável, o país concordou em ampliar o mandato do presidente em mais um ano.

Neste ambiente, elegemos Collor, em 1989, para um mandato que deveria durar cinco anos, mas que foi interrompido na metade, em nosso primeiro processo de impeachment. Após o mandato tampão de Itamar Franco e da estabilização econômica, finalmente elegemos Fernando Henrique Cardoso e esta foi a oportunidade recente em que discutimos o tema pela segunda vez.

Surfando na popularidade inicial do sucesso do plano Real, FHC manobrou politicamente uma emenda constitucional pela reeleição, que reduzia o mandato aos quatro anos originais, mas permitia uma única reeleição para cargos executivos de qualquer instância.

Exatamente o modelo que determina como funciona a reeleição pelos mandatos de Lula e Dilma. Mas, neste momento em que atravessamos nova crise política, sem um fim perceptível, a reeleição volta a ser tema de debate. Aparentemente, pelo menos por enquanto, a possibilidade de reeleição acabou no Brasil, embora a implementação da regra seja gradual.

Sendo assim, para encerrar, vejamos como ficaram as regras para os diversos cargos do executivo, embora nunca seja demais lembrar que, no caso brasileiro, estas regras sempre podem mudar novamente, de acordo com o momento político.

Municípios: a regra mal compreendida

Uma das pesquisas mais feitas nos buscadores online nas últimas eleições municipais era se o: “fim da reeleição já vale para 2016”. Basicamente porque a população mal informada pelos veículos de comunicação não tinha como saber que havia uma previsão de implementação parcial da regra, de acordo com o cargo em disputa.

Os prefeitos eleitos em 2012, desde que não houvessem sido reeleitos, ainda poderiam concorrer a uma última reeleição em 2016, mas a reeleição para prefeito em 2020 já estará vedada em qualquer circunstância. A menos, claro, que a regra mude outra vez até lá.

Estados e Distrito Federal: a próxima e última reeleição

Assim como determinado para os municípios, os governadores terão uma última chance de reeleição em 2018. A menos, claro, que já tenham sido reeleitos no último pleito popular. Desta forma, o fim da reeleição em nível estadual se dará, efetivamente, apenas em 2022.

Embora pareça muito, para quem é contrário ao instituto da reeleição, a mudança gradual atende a um princípio geral, aplicável a qualquer legislação referente aos direitos adquiridos. Em essência, se um governador foi eleito uma primeira vez, com a promessa de uma possível reeleição – e este também seria um direito da população de seu estado – não se deve mudar a regra com o jogo político em andamento.

Presidência: o caso menos complexo?

Embora a discussão deste tema esteja em andamento há alguns anos no Congresso Nacional, o fim da reeleição não pareceria urgente em 2017, não fosse a crise política. Ou seja, vamos retomar o argumento que estamos repetindo desde o início deste artigo.

A reeleição no Brasil é um debate interminável, profundamente dependente dos humores políticos de momento e, sobretudo, sujeito a mudanças repentinas, conforme surgem possíveis longas hegemonias políticas. No cenário político nacional atual, não é possível imaginar que o atual mandatário teria qualquer chance de se reeleger.

Trata-se de um dos, senão o mais, impopular presidente da história do país. Por outro lado, ainda que não houvesse ocorrido o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ela não poderia ser reeleita, mesmo pela regra antiga. Mas, então, por que o tema é tão urgente?

A verdade é que não é urgente. Primeiro porque o fim da reeleição já está aprovado desde 2015, mas, principalmente porque no cenário político atual ainda não surgiu nenhuma liderança claramente capaz de ocupar o vácuo criado pela ausência da figura do ex-presidente Luís Inácio.

E não se trata de defendê-lo, apenas de reconhecer que, no momento, não há outro político da mesma envergadura no país e, talvez, esteja aí o motivo oculto da urgência dos políticos em aprovar a mudança da regra.

Em resumo, considerando que o poder não admite o vácuo, podemos estar na iminência do surgimento de alguma liderança extremista, talvez de esquerda, mas, muito mais provavelmente de direita e a única forma de evitar danos profundos ao país é conter os estragos em um único mandato, pelo menos por enquanto.