Votos brancos e nulos

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Talvez o leitor não se recorde, mas, há mais de 20 anos, a população do Rio de Janeiro votou massivamente no candidato a prefeito Macaco Tião. Sim, era um macaco de verdade. Era muito conhecido na cidade porque, “morando” no zoológico, tinha o hábito de jogar fezes nos visitantes, entre outros comportamentos menos civilizados.

Naqueles tempos, nós ainda votávamos em cédulas de papel e era possível incluir nomes, rabiscando diretamente no voto. O sucesso da campanha foi tão grande que o bicho ficou em terceiro. Este era um tipo de voto, na época muito comum, chamado voto de protesto. No fundo, era um voto nulo.

o que são votos brancos e nulos

Graças às urnas eletrônicas, hoje não há mais como fazer isto, acabando com um lado cômico do processo eleitoral. Mas os votos nulos ainda existem, assim como também existem os brancos, o que naquela época equivalia simplesmente a depositar o papel na urna, sem escrever nada no mesmo.

Para que servem os votos brancos e nulos?

Em primeiro lugar, há uma percepção antiga de que existem diferenças entre votos brancos e nulos, o que não é mais verdade, a não ser em sentido puramente conceitual. Explicando, quem vota em branco está sinalizando que prefere não escolher nenhum dos candidatos, embora antigamente o voto em branco pudesse ser contabilizado para um candidato através de fraude na apuração.

Quem vota nulo está preferindo anular seu voto e, antigamente, era a única forma de garantir que não seria contabilizado. Hoje, ambos são computados como votos inválidos, ou seja, não contam no total de votos considerados para que um candidato atinja a porcentagem necessária para se eleger.

Funciona assim: vamos imaginar que só existem 100 eleitores no total. Neste cenário, em uma eleição para prefeito, 10 faltaram, 15 votaram em branco, 15 votaram nulo, 25 votaram no candidato A e 35, no candidato B. O candidato B não totalizou 50% mais 1 dos votos totais, isso daria 51 votos, mas, se elegeu mesmo assim porque totalizou pouco mais 58% dos votos válidos.

Mas, então, se eu voto em branco ou voto nulo, para que serve? Isto depende da eleição. Portanto, vamos separar a análise entre eleições majoritárias e eleições proporcionais.

1. Eleições majoritárias. São as eleições para os cargos do executivo, mais as eleições para senadores. Significa que o candidato só precisa reunir maioria simples dos votos, ou seja, 50% mais 1. Neste caso, ambos os votos, nulos e brancos, são invalidados e não afetam o processo. O único efeito possível é o moral, afinal, se os eleitores invalidam seus votos em massa, isso tende a mandar um sinal para a classe política. Se ela entende o sinal, aí já é outra questão.

Este ponto também esclarece o que acontece se mais de 50% dos votos forem nulos ou brancos: rigorosamente nada. A menos, é claro, que nenhum eleitor vote. Veja, é preciso que absolutamente nenhum eleitor compareça às urnas e os que forem, votem branco ou nulo. Uma situação pouco provável e que, ainda assim, apenas causaria a marcação de novas eleições. Em suma, votos em branco ou votos nulos não anulam eleição.

2. Eleições proporcionais. São as eleições dos demais membros do poder legislativo nas suas três instâncias, municipal, estadual e federal, exceto senadores. Neste caso, a contagem dos votos é feita de forma diferente, existindo um quociente eleitoral.

Explicando, funciona da seguinte forma: considerando que temos apenas 1000 eleitores no total e que apenas 500 votaram. Os demais votos foram invalidados de alguma das formas já explicadas. Neste caso, se a cidade tiver 10 vagas na Câmara de Vereadores, o quociente eleitoral é calculado dividindo o número de votos válidos pela quantidade de vagas o que daria 50 votos, ou seja, para se eleger, este é o número de votos necessários.

Vamos dar um exemplo mais detalhado. Digamos que o candidato mais votado recebeu 110 votos. No mesmo partido ou coligação, há outros dois candidatos que receberam 45 votos cada. Da forma como os votos são computados, os 60 votos que o mais votado tem além do necessário para se eleger são redistribuídos.

Simplificando, o total de votos da coligação seria de 200, que divididos pelo quociente eleitoral daria quatro vagas ao partido, mas só existem três candidatos neste exemplo e, portanto, todos estariam eleitos. O que significa que, em eleições proporcionais, o voto nulo ou em branco diminui a quantidade votos necessários para se eleger.

O que levanta uma pergunta fundamental que veremos a seguir.

Vale a pena votar nulo ou em branco?

Como já dissemos, o único efeito prático de ambas as modalidades de voto é diminuir o número de votos necessários em uma eleição. Sendo assim, pode parecer que o voto em branco ou nulo não são atos políticos válidos, mas há uma diferença enorme entre dizer que o voto nulo é eficaz e que é uma ato político é válido.

Está previsto na legislação que o eleitor, embora obrigado a comparecer, não pode ser obrigado a escolher um candidato. Afinal, quantas vezes você já não observou uma lista de candidatos e pensou: eu não quero nenhum destes. É seu direito não escolher. Portanto, é um ato político válido. Se é eficaz, já depende da sua interpretação.

Se o eleitor considerar que a somatória de ausências, brancos e nulos, quando muito alta, pode ser um recado da população para os seus políticos, então, é possível pensar que o voto nulo é um ato político eficaz. Porque fora esta possibilidade, a única outra é a que já dissemos: expressar individualmente desgosto, descaso, protesto, entre outros sentimentos.

As urnas eletrônicas

Elas são uma realidade no Brasil desde 1996. Mas, muitas das grandes democracias modernas ainda não utilizam o sistema, sendo os Estados Unidos o maior exemplo. Em que pese a desconfiança que alguns – ou muitos – brasileiros têm com a segurança dos dados, até onde se sabe, não há motivo para tanto.

O modelo atual de urna parece ser bastante seguro e, para o que nos interessa, desde a implementação dos primeiros modelos, o direito ao voto nulo e em branco foi respeitado. Embora acreditando que é de conhecimento comum, não nos custa explicar como se pode anular ou deixar em branco o voto.

1. Como votar em branco na urna eletrônica; esta é a mais fácil das duas possibilidades. Todas as urnas possuem três botões abaixo dos teclado numérico, um botão alaranjado para corrigir o voto, um botão verde para confirmá-lo, um botão branco, no qual está escrito: branco. Bastante simples portanto, basta apertar branco e confirmar com o verde depois.

2. Como votar nulo na urna eletrônica; esta é uma possibilidade um pouco mais difícil, mas temos um macete para o eleitor interessado. Neste caso, é preciso errar o número do candidato, ou seja, você precisa votar em um número inexistente. A lógica é a mesma do Macaco Tião, mas, como você não pode escrever numa cédula, tem de imaginar o número do Tião.

Não é tão difícil porque todos os números de candidatos, não importa qual a eleição, começam com os dois números do seu partido. Por exemplo, o PSDB está registrado sob o número 45 e o PT, sob o número 13. Para os cargos do executivo, o número dos candidatos destes partidos serão sempre, respectivamente, 45 e 13.

Para senadores, o número é acrescido de um, por exemplo, 453 ou 135. Para deputados federais, são dois números a mais, ou seja, 4523 ou 1313. Enfim, para deputados estaduais, é acrescido mais um número, 45454 ou 13313, também como exemplo.

E qual é o macete? Descubra um número que não tenha partido. No momento, não há nenhum partido com o número 00 ou 99, portanto, qualquer combinação que comece com estes números funciona para qualquer eleição, 99, 991, 9912, 99123. Digitando um desses números a urna irá avisar que o candidato não existe. Pronto, achamos o Macaco Tião Imaginário. Agora basta confirmar com o botão verde.

Uma última palavra

Apenas como curiosidade, as porcentagens de votos nulos, brancos e ausentes, são divulgadas em todas as eleições. Raramente houve, em nossa história, um total de votos inválidos muito superior a um terço do eleitorado. Mesmo nas eleições de 2016, que bateu recorde de ausências e também teve números elevados de votos nulos e brancos, o total permaneceu dentro de uma tolerância para a faixa histórica.

É de se duvidar que algum dia este cenário mude, principalmente porque a maioria dos cidadãos tende a escolher um candidato, mesmo que não goste das opções. Afinal, sempre há um menos pior. Mais uma vez, trata-se da maneira como cada cidadão enxerga o processo político e como entende o seu papel nele.

O que para muitos é uma obrigação enfadonha, ou um processo inútil, cheio de corruptos, entre outras opções, para outros ainda é considerado um dever, ou melhor, um direito que deve ser exercido. Estes ainda são a maioria em todas as democracias. Mesmo naquelas que adotam o voto facultativo, ou seja, um modelo no qual o cidadão não é obrigado a votar.

Para dar apenas o exemplo das eleições americanas, a média histórica aproximada de comparecimento, é de 55%. Embora existam eleições atípicas, como as eleições de 1960, nas quais quase 65% dos eleitores votaram, ou as eleições de 2000, quando o número ficou abaixo dos 50%. Estes picos e vales estatísticos não mudam o fato de que mesmo não sendo obrigado, a maioria do eleitorado costuma votar.