CPI

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O Senado Federal tem 81 membros. A Câmara dos Deputados, 513 membros. Por motivos óbvios, sempre que há necessidade de discussão aprofundada de qualquer assunto, é preciso separar grupos menores para que o trabalho possa ser efetivo.

Desta forma, a constituição prevê os casos em que podem ser formadas as chamadas comissões parlamentares. Entre elas estão a discussão e votação, em alguns casos, de projetos de lei; a realização de audiências públicas; discussão de planos, projetos e programas do poder executivo e, ainda, atenção aos ministros e quaisquer outros cidadãos que entender conveniente.

Estas são as suas funções mais corriqueiras, mas também pode ser instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Ou seja, um grupo de deputados ou senadores que irão atuar como uma junta investigativa de temas relevantes para a sociedade. Vamos aprofundar este conceito.

O que é CPI?

Segundo a Constituição Federal, uma Comissão Parlamentar de Inquérito tem poderes investigativos “próprios das autoridades judiciais”, o que significa que atuam de forma semelhante ao poder judiciário, mas com certas limitações.

O que define em linhas gerais o funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é o artigo 58 da Constituição Federal, em seu parágrafo terceiro, o qual afirma que: “suas conclusões, se for o caso, devem ou podem ser encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.cpi

Existem dois requisitos básicos para a instalação de uma CPI: a assinatura de um terço dos membros da casa legislativa e um “fato determinado”, ou seja, um objeto específico de investigação. Por exemplo, quando foi criada a CPI do futebol, anos atrás, embora o nome fosse abrangente, o objeto de investigação eram os contratos entre a empresa de material esportivo NIKE e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Normalmente, as CPI’s têm duração de 120 dias e são formadas por representantes de todos os partidos da casa, de forma proporcional. O processo, como dissemos, é semelhante ao do judiciário. São ouvidas testemunhas e eventuais investigados, colhidas provas e, no fim, a comissão emite um relatório com suas conclusões.

Comissão Parlamentar de Inquérito: poderes e limites

Uma CPI pode convocar qualquer cidadão para prestar esclarecimentos, bem como determinar a quebra de seus sigilos bancário ou telefônico. No entanto, não pode decretar prisões nem iniciar escutas ou outros procedimentos próprios de operação policial.

Basicamente, a comissão tem poder apenas de investigação. Qualquer procedimento de responsabilização civil ou criminal continuará sendo de exclusividade do poder judiciário. Assim, uma vez concluídos os trabalhos, o relatório final é encaminhado ao MP (Ministério Público) para que este faça as denúncias formais quando as julgar necessárias.comissão parlamentar de inquérito

Talvez, por este motivo, todos tenhamos a sensação de que as CPI’s sempre acabam em pizza. Ou seja, porque na verdade não têm o poder de indiciar ou mandar prender pessoas. Mas, também temos o fato de que muitas vezes o relatório final não recomenda nenhuma atitude específica do judiciário.

Será mais fácil entender este ponto com alguns exemplos de CPI’s.

Na prática, o que significa uma CPI?

Um exemplo de CPI com consequências foi a comissão que investigou as denúncias de Pedro Collor em 1992. Do relatório daquelas investigações, foi formada a convicção legal para o pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor, que acabou renunciando antes do fim do processo.

Outra CPI com impacto direto, embora menor, foi a dos Anões do Orçamento, entre 1993 e 1994. Talvez o leitor recorde que, na época, um dos acusados de desvios de verbas públicas, o deputado João Alves, declarou que havia conquistado sua fortuna ganhando várias vezes na loteria. Pelo menos 8 deputados foram cassados e outros 4 renunciaram aos cargos.

Na outra ponta, temos também várias CPI’s que acabam sendo politicamente bloqueadas. A CPI do futebol, que citamos anteriormente, foi apenas uma de várias tentativas do congresso de investigar o futebol brasileiro. Em 2007, por exemplo, um grupo de deputados e senadores pretendia investigar os contratos entre o fundo de investimentos MSI e o Corinthians Sport Club Paulista. Sem assinaturas suficientes, a CPI foi enterrada.

A CPI do mensalão. Ao contrário do que a memória nos diz, o suposto esquema de compra de deputados não foi desmontado pela CPI de mesmo nome. O relatório da comissão identificava a existência do esquema, mas não pedia indiciamentos, e sim mais tempo para as investigações. Não pôde continuar porque as assinaturas necessárias para a prorrogação dos trabalhos foram retiradas.

Resumindo a ópera, uma CPI tem significado dúbio quando instalada. Tanto pode render condenações, inclusive na esfera criminal, quando pode servir apenas de instrumento de pressão política. Vamos entender melhor este aspecto.

CPI: momento político versus condenações

Vamos repassar as quatro CPI’s que demos como exemplo. A primeira, estava enquadrada em um momento político em que o ex presidente Collor se encontrava completamente isolado politicamente. Simplesmente não tinha força política para barrar as investigações. Como resultado, toda a insatisfação política com seu governo transformou a CPI na ponta de lança de seu impeachment.

A CPI dos anões do orçamento não envolvia diretamente o governo federal, nem grandes caciques da política nacional, mas deputados do segundo escalão. Uma vez denunciados, estes não tinham força política suficiente para impedir que o processo seguisse adiante e acabaram cassados em sua maioria.

As CPI’s do futebol são um caso emblemático. Ninguém teve, ainda, a coragem de mexer a fundo nesse vespeiro. A força política dos clubes é muito grande. Clubes de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente, contam com vários deputados que funcionam como barreira para qualquer tentativa de investigação das suas dívidas e acordos de bastidores.

No caso da CPI do mensalão, o Governo Federal contava com a maioria no congresso e acabou conseguindo encerrar os trabalhos. Como houve investigação independente pelo MP e poder judiciário, alguns envolvidos acabaram sendo denunciados e condenados, mas as investigações não chegaram nem perto de uma conclusão.

Ou seja, uma CPI – direito constitucional incluso – pode ter um papel muito menos nobre do que o imaginado pelos legisladores. O que nos leva ao outro lado da política, conforme veremos a seguir.

CPI: moeda de troca ou processo de investigação?

Desde que a atual legislatura começou, em 2015, foram instaladas 14 comissões parlamentares de inquérito. Curiosamente, ainda nenhuma depois que ocorreu o impeachment de Dilma Rousseff. Houve CPI’s para investigar a Petrobras, na esteira da Operação Lava Jato e, mais recentemente, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a lei Rouanet – de renúncia fiscal para projetos culturais.

Todas, de uma forma ou de outra, foram abertas com fins puramente políticos. A fragilidade política do Governo Federal funcionou como imã de CPI’s inúteis.

Neste caso específico, o congresso usou as CPI’s para pressionar o poder executivo. Uma vez terminado o processo de impeachment, também terminaram as CPI’s. Pelo menos por enquanto, é claro. Isso porque já se discute uma CPI da previdência.

Percebam que este novo governo tem uma agenda unicamente centrada em reformas legislativas. Não parece haver nada além disso em seu horizonte político. Conseguiu aprovar o teto de gastos públicos sem maiores problemas. Já a reforma trabalhista, com o perdão do trocadilho, deu mais trabalho. Qual seria a próxima?

A reforma da previdência. Justamente onde se quer instalar uma CPI. O que é apenas uma coincidência, certo? Não. Como o presidente atual está cada vez mais enrolado em denúncias, sua legitimidade política está se desmontando. Isso abre espaço para que os oposicionistas se manifestem, sejam de esquerda ou de direita. Todos os que querem um pedaço do poder sabem que o momento é este.

Mas é importante ressaltar que não estamos defendendo o governo. O objetivo aqui é apenas demonstrar que as CPI’s também são um elemento do jogo político e, justamente por isso, muitas acabam não tendo nenhum resultado prático. Porque não foram feitas para isso, mas sim para servir como moeda de troca no jogo do poder.

A última palavra em CPI’s

Neste mesmo sentido, para dar um último exemplo, no Senado também há comissões por serem instaladas. Além da previdência, que já citamos, deve funcionar uma CPI específica para investigar as relações entre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) e a J&F, dona da JBS, proprietária da Friboi.

Este é um tipo de CPI que não se enquadra nos exemplos anteriores. Aparentemente, o legislativo está querendo pressionar o próprio Ministério Público ou o poder judiciário. Mas, em uma investigação pública deste tipo, sempre existe o risco de que as informações levantadas saiam do controle dos congressistas.

Traduzindo, não importa muito qual seja a intenção política, não há como controlar as informações que irão surgir no processo. Com a mídia atenta como está nos últimos anos, é muito provável que aconteça um de dois cenários.

1. Que surjam informações que comprometem políticos, ou outras pessoas que não são o alvo de quem iniciou o processo. Neste caso, a CPI tende a esfriar e desparecer aos poucos. Como aconteceu com a CPI da UNE, por exemplo.

2. A CPI vai adiante porque atinge seu objetivo aparente que é evidenciar o acordo de colaboração dos empresários da J&F, como injusto perante todos os demais processos investigativos atualmente ocorrendo. Assim, conseguiriam desmoralizar o MP.

Nesta altura, são apenas especulações, mas, como dissemos, o objetivo destes exemplos é apenas demonstrar que existem outras possibilidades para se entender uma CPI, para além da investigação que a mesma está propondo.