Cassação de Mandato

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Com as recentes agitações no mundo político brasileiro, estamos nos acostumando a ver alguns figurões tendo seu mandato cassado. Mas, também estamos percebendo que o processo é demorado, cheio de reviravoltas, jogadas políticas e, ainda, nem sempre o que é esperado realmente acontece.

Primeiramente, precisamos dizer que a diferença entre impeachment e cassação é mais conceitual que prática.

Impeachment ocorre apenas quando o líder do poder executivo, seja o presidente da República, um governador ou um prefeito, é acusado e considerado culpado de algum crime de responsabilidade. Esta é uma categoria muito específica de crime, estritamente prevista na Constituição.

cassação de mandato

Mas, como também acompanhamos recentemente, mesmo entre os juristas, podem haver divergências quanto a um fato ocorrido ser ou não um destes crimes, todos tipificados pelo artigo 85 da Constituição Federal. Por exemplo, o item 3 do artigo define o atentado contra os direitos políticos individuais, desde que cometido pelo presidente, como um crime de responsabilidade. Porém, o que pode ser considerado um atentado aos direitos políticos individuais?

Digamos que sempre há margem para discussão. Tanto que existe um tribunal federal dedicado a “uniformizar a interpretação da lei”, o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Assim como existem as chamadas jurisprudências, que nada mais são que interpretações da lei, adotadas por juízes em casos específicos, que acabam servindo de referência para casos futuros.

De qualquer forma, uma vez aprovado o impeachment de um governante, o resultado prático é a cassação de seu mandato.

O que é cassação de mandato?

Em termos de conceito, todo político eleito tem uma espécie de procuração da população para agir em seu nome. Esta “procuração” é o que chamamos mandato e, assim como uma procuração, existem limites para o que se pode fazer com um mandato. Quando um político, seja membro do poder executivo ou do legislativo, ultrapassa esses limites, passa a correr o risco de ser cassado.

Como um político é cassado?

No caso do poder executivo, a cassação de mandato pode acontecer quando há denúncia de abuso do poder econômico no processo eleitoral. Exatamente o tipo de processo que estava correndo recentemente, pedindo a cassação de Dilma e Temer, ou seja, a cassação da chapa eleitoral.

Este tipo de processo é julgado exclusivamente pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Se a chapa fosse condenada, pelo menos em princípio, ambos, presidente e vice, teriam seus mandatos cassados. O mesmo procedimento pode ocorrer contra governadores e prefeitos, mas seus processos correriam inicialmente nos TRE’s (Tribunais Regionais Eleitorais), embora os ritos fossem os mesmos.

Para membros do poder legislativo, por outro lado, qualquer denúncia precisa ser acatada por seus pares. Em outras palavras, vereadores, deputados estaduais e federais, além de senadores, quando acusados formalmente por qualquer crime, podem ter seus mandatos cassados, desde que os seus colegas de casa entendam que há procedência na denúncia.

Caso contrário, um político pode cometer qualquer crime que bem entender impunemente. Enquanto estiver empossado em seu mandato, basta que seus colegas o protejam, para que não se possa fazer nada contra o político, a não ser esperar o fim de seu mandato, quando poderá ser processado e julgado normalmente. Isso, supondo que os crimes já não estejam prescritos quando chegar o fim de seu mandato.

O rito de cassação segue uma verdadeira epopeia. Primeiro, uma comissão parlamentar é formada, com a tarefa de apresentar um relatório sobre as denúncias ao plenário. O relatório pode ser favorável à cassação ou contrário a ela. Seja como for, a cassação precisa ser aprovada em plenário e, se for este caso, o político em questão tem seu mandato cassado, o que significa que passa a não ter mais nenhuma prerrogativa parlamentar – o foro privilegiado, por exemplo.

Mandato e direitos políticos

Um processo de cassação pode levar muito tempo. Mas, dependendo das acusações, a casa legislativa (Câmara, Senado, Assembleias ou Câmaras Municipais) ainda pode determinar a cassação de direitos políticos. Em princípio, a perda do mandato deveria implicar a perda dos direitos políticos automaticamente, mas, recentemente, durante o impeachment de Dilma Rousseff, o entendimento foi diferente. Os senadores acabaram aprovando o impeachment, porém, mantiveram os direitos políticos da ex-presidente.

Normalmente, em caso de cassação, além de perder o seu mandato atual, o político deveria ficar impedido de concorrer em novas eleições por um certo período. Como foi estabelecido um precedente para a separação entre a cassação de mandato e a dos direitos políticos, não podemos afirmar como serão os próximos casos.

Até porque a cassação dos direitos políticos também pode ocorrer depois, quando o político já está fora do poder. Ao contrário do que nos parece hoje, há muito menos exemplos de cassação de mandato ou de direitos políticos do que há políticos acusados de diversos tipos de crimes. Um dos poucos exemplos, é o do ex-presidente Fernando Collor que, após renunciar para evitar seu impeachment, teve seus direitos políticos cassados pelo Senado.

Porém, pouco tempo depois do julgamento no Senado, Collor entrou com um recurso no STJ, para a revisão de sua condenação. O STJ manteve a condenação, mas a questão chegou até o STF que, um ano depois, decidiu arquivar o processo. Passados mais alguns anos, já com seus direitos políticos restabelecidos, o ex presidente se elegeu senador por Alagoas em 2006 e se mantém neste cargo desde então.

Resumindo, os casos de cassação são raros, mas acontecem. Em algumas circunstâncias, sequer ficamos sabendo porque ocorrem em outros estados ou mais frequentemente em cidades distantes ou com pouco espaço na mídia. Este foi o caso relativamente recente de Londrina.

Cassação de mandato de prefeito

Dissemos que estes processos são longos, difíceis e pouco comuns, então, nada melhor que um exemplo prático para demonstrar este ponto.

Londrina, localizada no norte do estado do Paraná, é uma das maiores cidades da região sul. Durante as eleições municipais de 2008, foi protagonista de um dos maiores impasses políticos já vistos na história política do país. Os problemas começaram após o segundo turno, quando o candidato vencedor, Antonio Belinati, teve sua candidatura impugnada pelo TSE.

O motivo para a impugnação foi a rejeição da prestação de contas de seu último mandato como prefeito da cidade, referente ao ano de 1999. Além disso, Belinati teve sua cassação como prefeito determinada pela Câmara Municipal em 2000, em função de denúncias de desvios de verbas públicas. Como o caso se arrastou por anos, o resultado final do seu julgamento só saiu quando já estava eleito, novamente, prefeito de Londrina.

Com esta situação incomum em mãos, o TRE do Paraná decidiu que seria realizado um novo segundo turno, desta vez com os candidatos que haviam ficado em segundo e terceiro lugar no primeiro turno. Belinati entrou no jogo e apoiou Barbosa Neto, um radialista da região, que acabou vencendo o “terceiro turno”.

No entanto, uma situação como estas gera, muitas vezes, uma crise de legitimidade. Assim, a gestão de Barbosa foi marcada por acusações de corrupção e disputas políticas intensas. Isso, até que uma dessas acusações fosse transformada em denúncia pelo Ministério Público do Paraná. Naquele momento, o governo municipal já se encontrava bastante fragilizado e, como resultado, Barbosa Neto também acabou sendo cassado pela Câmara Municipal.

Anos depois, o ex-prefeito seria inocentado pelo TSE, mas este exemplo descreve um roteiro muito comum para os poucos casos em que uma cassação realmente ocorre. Culpado ou não, quando um político é cassado, há uma chance bastante grande de que acabe inocentado e retorne à vida pública na sequência.

Não foi o caso de Barbosa, contra quem novas denúncias foram apresentadas e portanto, ainda que quisesse voltar, estaria impedido pela Lei da Ficha Limpa – por enquanto, pelo menos. Mas, foi o caso de Collor. Ainda que tenha demorado cerca de dez anos, o ex-presidente voltou à política e ocupa, hoje, uma das cadeiras do Senado Federal.

Outros tipos de cassação

Para encerrar, podemos destacar dois outros tipos de cassação que também podem ocorrer na política ou na estrutura do poder público.

Recentemente, muito se falou sobre uma possível cassação do PT, o que traduzido para o jargão político, seria a cassação do registro do partido. De fato, existe uma lei que determina condições muitos específicas nas quais um partido pode ser cassado pela justiça eleitoral. São apenas quatro as possibilidades:

  1. Se provado que o partido – não seus membros individualmente, mas, a entidade – recebe recursos de outros países.
  2. Se provado que o partido recebe ordens de outros países.
  3. Se o partido não prestar contas à justiça eleitoral.
  4. Caso o partido seja o patrocinador de organização paramilitar.

Os dois primeiros itens foram pensados dentro da lógica do antigo partido comunista soviético. Cada país do mundo podia ter uma espécie de filial do PC soviético, no entanto, esta estrutura deixou de existir após o final da antiga União Soviética.

O terceiro item simplesmente não acontece. Todos os partidos prestam contas anualmente. O quarto é mais improvável ainda. O mais próximo que temos de uma organização paramilitar no Brasil, são os grupos de extermínio, mas, estes grupos dificilmente podem ser comprovadamente ligados a qualquer partido político.

Enfim, ainda há a cassação enquanto disciplina do direito administrativo. Destinada a anulação de atos administrativos do poder público, mas, este é um outro assunto.