Voto facultativo

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Quando o eleitor vota, está exercendo um direito ou cumprindo um dever? Como todos sabemos, o voto é obrigatório no Brasil e, assim sendo, parece ser um dever, mas está incluso no título II, capítulo IV, da Constituição Federal, no rol de direitos políticos dos cidadãos.

Para resolver esta aparente contradição, alguns estudiosos do assunto definem o voto como um “dever-poder”. Significando que, embora não seja um dever de direito, é um dever de fato. Mas, também é um direito, na medida em que confere ao cidadão um poder de decisão sobre a política nacional.

o que é voto facultativo

Seja como for, existem muitas vozes contrárias e outras tantas favoráveis à obrigatoriedade do voto. No próprio Congresso Nacional, a questão vem sendo debatida há alguns anos e, atualmente, existe uma proposta tramitando para a implementação do voto facultativo: a PEC 61/2016.

Mas, o que é voto facultativo?

Em termos simples, com o voto facultativo, todos os eleitores registrados poderiam decidir livremente se querem ou não votar. De certa forma, esta condição já existe através do voto facultativo por idade. O idoso, acima de 70 anos, e também jovens, entre 16 e 17 anos, estão ambos dispensados da obrigatoriedade. O mesmo vale para os analfabetos.

Todos os demais brasileiros entre 18 e 70 anos são obrigados a comparecer às urnas em todas as eleições municipais, estaduais e federais. Com apenas uma exceção: os conscritos – jovens que estejam cumprindo o serviço militar obrigatório. Estes não têm direito ao voto.

Embora não seja nem de longe o tema mais debatido na política nacional, várias pesquisas de opinião demonstram que a população tende a apoiar o voto facultativo. Há vários possíveis motivos para este apoio e até mesmo os especialistas preferem apontar os argumentos mais utilizados, contra ou a favor, do que especular os reais motivos.

Portanto, vamos esclarecer estes pontos um a um.

Voto facultativo: vantagens e desvantagens

Antes de entrarmos nos argumentos propriamente ditos, um esclarecimento: boa parte da população brasileira já vive em um regime de voto facultativo. Os dados eleitorais demonstram que, somando os que não comparecem às urnas e os votos nulos e brancos – a outra forma de não votar; temos uma média histórica de cerca de 30% dos eleitores.

Em outras palavras, quem não quer votar, não vota, mesmo sendo obrigatório. Aqueles que não se importam em pagar uma pequena multa ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), simplesmente não comparecem. Outros, até comparecem, mas por qualquer motivo que seja, não elegem nenhum candidato.

Talvez por este motivo não haja uma verdadeira pressão da sociedade por mudanças nesta área. Quando não há pressão, também não há pressa, independentemente do número de pessoas que queiram mudanças. Para que se tenha ideia, há vários trabalhos e estudos do Congresso a respeito deste tema. Um deles, realizado em 2004, elaborou a lista de argumentos que iremos resumir a seguir.

Desvantagens: porque manter o voto obrigatório

1. O “dever-poder”. Considera que o cidadão tem a obrigação de ajudar a decidir o futuro político do país, portanto, não pode ser permitido que se ausente. Este argumento tem lógica e, juridicamente, faz todo sentido que se pense desta forma, porém, não parece ser um ponto suficientemente convincente.

Imagine aquele seu conhecido que sempre se esquiva de votar. Ele já sabe que querem seu voto, que dizem ser obrigatório e, mesmo assim, não vota. Dizer simplesmente que é um dever cívico de todo brasileiro não irá convencê-lo. Principalmente se estiver desgostoso com a política de forma geral.

2. Obrigação gera legitimidade. Deste ponto de vista, alguns cidadãos até podem não participar, mas, historicamente, cerca de 70% dos eleitores costuma votar normalmente. Com a participação da maioria, não há motivo para contestar os resultados das eleições.

Ou seja, temos outro argumento lógico contra o voto facultativo. Enquanto a maioria continuar comparecendo às urnas, ninguém pode dizer que o processo eleitoral é apenas um jogo. O problema deste ponto, é que desconsidera outras possibilidades.

Nas eleições presidenciais de 2014, tivemos cerca de 30% de não votantes e cerca de 35% de votantes para cada um dos candidatos no segundo turno. Como resultado, desde o primeiro dia após as eleições, a contestação do resultado esteve presente. Em outras palavras, a obrigatoriedade não necessariamente torna o processo eleitoral imune à contestações.

3. Educação política. Este argumento é bastante subjetivo, mas, parte de um dos pressupostos básicos da democracia, embora ignore outro. Sim, é verdade que o sistema democrático exige um cidadão participativo e bem informado para funcionar adequadamente, portanto, exercer o direito de voto, faz com que o eleitor teste suas convicções e escolhas políticas, se aprimorando e aprendendo a escolher melhor com seus erros.

Por outro lado, na base das sociedades democráticas está a liberdade de expressão. Não votar, por qualquer motivo que seja, é uma forma de expressão. Ainda que se possa pensar que é uma forma de não expressão. Considere que cada pessoa tem, em princípio, o direito de empunhar uma ou várias bandeiras políticas, mas, também tem o direito de não empunhar nenhuma.

4. A democracia brasileira não permite. Este argumento pressupõe que, no estágio atual, o eleitor melhor informado, aquele que saberia “decidir o melhor” para o futuro da nação, poderia não comparecer porque: “preferiria viajar ou aproveitar para desfrutar algumas horas de lazer”. Consequentemente, as eleições seriam dominadas por candidatos “clientelistas” (um tipo de populista efetivamente do mal).

Como nunca testamos o voto facultativo e, hoje, quem não quer votar já não vota, este argumento não parece ter qualquer fundamento. É, na melhor das hipóteses, o que chamamos de uma estimativa não aproximada. No popular: um chute.

5. A tradição brasileira e latino-americana. De fato, o voto facultativo nos países da América do Sul é o menos comum, mas, não exatamente nos da América Latina. Temos 8 países com voto obrigatório na América do Sul e apenas Paraguai, Colômbia, Suriname e Guiana com voto facultativo.

A América Latina, por outro lado, envolve todos os países americanos do México para baixo. Neste contexto, são 13 países com voto obrigatório e 18 com voto facultativo. Além disso, é discutível até que ponto a tradição pode ser considerada como um argumento convincente.

6. Não há ônus para o Estado e o incomodo para o cidadão é pequeno. Este argumento, apesar de pouco profundo, é um dos melhores contra o voto facultativo. O Estado obrigatoriamente terá de organizar eleições e não importando o número de participantes, terá de fazê-lo considerando a possibilidade de todos os eleitores comparecerem.

Portanto, o custo financeiro é inevitável e como não há movimentos organizados pressionando o governo, o custo político é inexistente. De outro lado, do jeito que as coisas estão, as eleições efetivamente provocam pouco incomodo à população. São rápidas. Na prática, o eleitor pode se ausentar se quiser e na maioria dos casos, o deslocamento necessário é pequeno.

Vantagens: por que tornar o voto facultativo

Os argumentos favoráveis são baseados nos mesmos pontos centrais que acabamos de citar, porém, com conclusões contrárias. De certa forma, já os antecipamos ao criticar algumas inconsistências dos 6 itens. Mas, vamos repassá-los, verificando as possíveis inconsistências dos argumentos a favor. Talvez isto nos ajude a entender por que não tem voto facultativo no brasil.

  1. O voto é um direito. Na maioria das democracias modernas, este realmente é o entendimento, mas, assim como o argumento do “dever-poder”, não é convincente por si mesmo. Dizer que muitos países são assim, não os torna melhores nem piores, apenas diferentes.
  2. O voto facultativo não compromete as democracias em países desenvolvidos. De fato, não compromete. Assim como podemos ter crises de legitimidade política com voto obrigatório. As eleições de 2016 nos Estados Unidos, comprovaram que também é possível ocorrer contestação com voto facultativo. Tudo indica que uma coisa nada tem a ver com a outra.
  3. Só vota quem realmente quer. Pressupõe que o eleitor que não é obrigado a comparecer, só irá quando realmente quiser apoiar um candidato tornando, portanto, a eleição mais qualificada. É um argumento tão discutível quanto a ideia de que o processo eleitoral educa o cidadão e por isso deve ter participação obrigatória.
  4. A participação da maioria é um mito. Não há muito que discutir neste ponto. Os dados eleitorais apontam 30% de ausentes, nulos e brancos, portanto, não é um mito. A maioria realmente participa. A questão, entretanto, é se esta maioria está votando conscientemente ou apenas “cumprindo tabela”.
  5. Aprendizado do eleitor e o estágio da democracia brasileira. Aqueles a favor do voto facultativo costumam apontar que o eleitor tratado como massa obrigada a votar não necessariamente irá fazer mais do que votar em qualquer um sem grandes preocupações. Em um raciocínio paralelo, é possível que o estágio atual de nossa democracia não seja influenciado positivamente por cidadãos obrigados a votar. Mais uma vez, hoje, quem não quer, não vota.

Temos um veredito?

Tentamos não tomar partido na discussão sobre o voto facultativo, mas as pesquisas indicam que a maioria da população brasileira tem um lado: é contra o voto obrigatório. Quem tem dúvidas a respeito são os juristas, os políticos e parte da chamada inteligência brasileira. Por isso as tentativas de se incluir o voto facultativo na Constituição Federal acabam esbarrando justamente na ação destes setores da sociedade.

Por outro lado, nenhum argumento apresentado, por nenhum dos lados, comprova que um sistema seja melhor do que o outro. Nos parece que ambas são opções válidas e cabe à população, em um regime democrático, decidir qual é a melhor para seu país.