Habeas Corpus

Spread the love

Como quase todas as áreas técnicas, o direito também tem expressões utilizadas apenas pelos seus profissionais. No caso, muitos destes termos estão em latim porque o direito contemporâneo deve parte de seus conceitos ao direito romano da antiguidade.

O habeas corpus é um destes termos, embora a forma legal utilizada pelos romanos antigos fosse: “interdictum de libero homine exhibendo”.

habeas corpus

Na época, um cidadão romano podia pedir a “exibição pública” de um outro cidadão que estivesse com sua “liberdade interditada”, ou seja, pedir que fosse mostrado ao público para verificar se estava vivo e bem.

O conceito de habeas corpus é parecido, mas, muito mais abrangente. Primeiro porque, no caso romano, a ação só valia contra outros cidadãos. Em outras palavras, prisões ordenadas pelo imperador, por exemplo, não podiam ser questionadas.

Habeas Corpus: significado

Uma tradução literal para o termo seria: “tome o teu corpo”, o que, convenhamos, não explica muita coisa. Mas o espírito por trás desta forma legal é bastante simples: nos casos em que uma autoridade constituída cometer abuso de poder ao mandar prender outro cidadão, um habeas corpus poderá ser pedido para garantir o seu direito de ir e vir; sua liberdade de locomoção.

Porém, como quase tudo nas sociedades humanas, o conceito foi se desenvolvendo ao longo do tempo. O histórico mais comum para sua origem moderna nos leva até a Inglaterra medieval.

Durante os primeiros séculos do segundo milênio – nos anos mil e poucos; havia constantes disputas entre o rei inglês e outras parcelas da nobreza e também do clero. Mas, o poder do Estado estava basicamente concentrado nas mãos do rei.

Assim, prisões arbitrárias de nobres – prisões sem uma justificativa clara – eram relativamente comuns. Com o desenrolar da situação, eventualmente surgiu a previsão do “habeas corpus ad subjiciendum”.

Naquele momento, o objetivo era criar uma forma de salvaguardar os indivíduos, garantindo que só fossem presos caso fosse justificável e apenas após o devido processo legal. O objetivo do habeas corpus de então ainda era muito similar ao romano: exibir publicamente o preso e justificar sua prisão. Neste caso, porém, a ação poderia ser movida contra o rei, embora não fosse uma prática comum.

Daquele primeiro modelo inglês, o instrumento foi sendo aperfeiçoado nos séculos seguintes em paralelo ao aperfeiçoamento de todo o aparato judiciário. A história é bastante longa e os modelos mais próximos do atual habeas corpus só foram implementados nos séculos XVIII e XIX.

O que é habeas corpus? O significado contemporâneo

O princípio continua sendo o de reparar uma injustiça, ou seja, uma prisão arbitrária, sem justificativas aceitáveis. Mas, o instrumento varia bastante de país para país. Por isso, vamos nos ater ao caso brasileiro.

Aqui, como lá fora, o habeas corpus foi evoluindo com o restante da legislação e seu uso corriqueiro é muito mais recente do que podemos imaginar. Isso porque, para funcionar adequadamente, o judiciário precisa ser independente e seguir ritos constitucionais. O que só é plenamente possível em um Estado Democrático de Direito.

Em outras palavras, de nada adianta a previsão de um determinado direito se o Estado pode suspender os direitos e garantias individuais a qualquer momento, como aconteceu durante a Ditadura Militar e em outros momentos anteriores.

Portanto, no Brasil, apenas a partir da Constituição de 1988, o instrumento passou a ser parte efetiva dos ritos processuais. Embora existam alguns curtos períodos anteriores, são exceções que confirmam a regra.

Tipos de habeas corpus

Antes de explicarmos as condições exigidas para a solicitação de um habeas corpus atualmente, vamos esclarecer que existem duas possibilidades, ou dois momentos, em que se pode fazer o pedido:

  1. Habeas corpus preventivo: pode ser impetrado (solicitado), nos casos em que um cidadão está correndo o risco de ter sua liberdade reprimida. Ou seja, durante investigação ou processo penal, havendo a suspeita (e pelo menos algum indício) de que pode ser preso arbitrariamente.
  2. Habeas corpus liberatório: Neste caso, o cidadão já se encontra preso e, portanto, deve haver indício de que a decretação da prisão foi injustificada ou mesmo, ilegal.

Em ambos os casos, o princípio é o mesmo. Só se diferencia um do outro, pelo momento em que é feito o pedido. Mas, parece bastante evidente que é mais simples demonstrar a ilegalidade de uma prisão depois que ela ocorreu.

A alegação de que um cidadão pode ser preso ilegalmente é muito mais subjetiva do que a mesma alegação, quando ele já foi efetivamente preso, porque há elementos no próprio processo penal ou investigatório para corroborar ou negar as alegações.

Esta diferença pode parecer sutil, mas, alguns juristas tem apontado o habeas corpus preventivo, como uma espécie de “praga” que inunda os processos penais, abarrotando tribunais país afora. Essa é uma discussão mais técnica, mas, basicamente diz respeito ao fato de que o habeas corpus requer cabimento.

Em outras palavras, deveria ser utilizado como uma ferramenta excepcional em casos muito específicos, mas, tem se tornado muito mais comum do que o previsto, sendo utilizado por qualquer motivo e sem qualquer indício realista de ilegalidade.

Habeas corpus: processo penal

Embora seja previsto pelo artigo 5º da constituição, é o CPP (Código de Processo Penal) que detalha o habeas corpus. O cabimento do pedido é dado pelo artigo 648, ou seja, só pode ser acatado nos seguintes casos:

  1. “Quando não houver justa causa para a prisão.” Um item auto explicativo, mas, percebam que neste ponto, um habeas corpus preventivo dificilmente poderia ser concedido, afinal, como se demonstra que uma prisão não tem justa causa se ela não ocorreu ainda? Seria preciso demonstrar que a autoridade policial ou o juízo, estariam perseguindo um cidadão. Algo bastante subjetivo.
  2. “Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei.” A prisão preventiva, por exemplo, não tem prazo especificado e portanto, o habeas corpus, em princípio, não se aplicaria. A prisão provisória, por outro lado, tem prazo máximo de 30 dias e neste caso, se o cidadão continuar preso sem que haja sentença ou a decretação de sua prisão preventiva, tem cabimento o habeas corpus.
  3. “Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo.” Todas as formas permitidas de prisão são também explicitamente determinantes no texto legal, em relação a quem pode ou não determinar o encarceramento. Qualquer prisão feita por agentes não especificados, dá direito ao habeas corpus.
  4. “Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação.” Digamos que um juiz decretou prisão preventiva por risco de fuga do país. Uma vez comprovado que o indiciado não teria como escapar, seu habeas corpus pode ser concedido.
  5. “Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza.” Esta é um pouco mais complicada. Existem casos em que a constituição federal determina o direito de soltura mediante pagamento de fiança. Caso alguém seja preso nesta condição, mas, por qualquer motivo não lhe seja dada a possibilidade de pagar uma fiança, caberá o habeas corpus.
  6. “Quando o processo for manifestadamente nulo.” Um processo penal baseado em provas colhidas ilegalmente – grampos telefônicos não autorizados pela justiça, por exemplo; dá direito ao habeas corpus, para qualquer prisão efetuada durante o mesmo.
  7. “Quando extinta a punibilidade.” Muitos crimes tem prazo para serem julgados. Um crime prescrito, extingue a possibilidade de punição do mesmo. Mas, imagine que o consumo de maconha seja ilegal e alguém esteja cumprindo pena por este motivo. Se a lei que tipifica o ato como crime for revogada, o preso passa a ter direito ao habeas corpus.

Quem pode fazer um habeas corpus?

O habeas corpus é um instrumento legal diferenciado que não se caracteriza pela exigência de um advogado. Como o espírito da lei é o de proteger os cidadãos contra abusos de autoridade, é fundamental que qualquer cidadão possa apresentar o pedido, inclusive a própria pessoa encarcerada.

No entanto, como fazer um habeas corpus pode ser algo bastante complexo para o cidadão comum, é extremamente duvidoso que uma petição feita por um tenha sucesso.

Também é possível imaginar que os mais necessitados deste tipo de pedido, sejam justamente, cidadãos oriundos das faixas mais pobres da população e assim, também há de se duvidar da boa vontade das cortes em acatar o pedido, ainda que esteja perfeitamente embasado pela lei.

Se necessário e sendo possível, é mais recomendado ter o auxílio de um profissional da área. A maioria dos advogados não cobra por uma consulta inicial e mesmo que não seja possível pagá-lo, o cidadão pode ao menos saber se no seu caso, o habeas corpus é cabível.

Também existe a defensoria pública. Basicamente, advogados contratados pelo Estado para defender os cidadãos que não podem pagar pelo serviço. Até onde se sabe, o serviço é recente e bastante precário dependendo da região, mas, não deixa de ser uma alternativa.

Ainda há um última alternativa. Se a sua cidade possui uma universidade, não custa verificar se existe um curso de direito. Muitos estudantes do curso precisam de experiência e algumas universidades mantém consultórios jurídicos gratuitos. A fila pode ser grande, mas a maioria das faculdades públicas de direito, senão todas, tem algum tipo de programa de apoio à comunidade.

Além disso, não custa saber o que é e como é feito um pedido destes, por isso, deixaremos um modelo de habeas corpus logo abaixo caso o leitor queira ter ideia do que se trata.