Impeachment

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Uma série de acontecimentos relativamente recentes trouxe de volta ao centro do palco político brasileiro um mecanismo, o impeachment, com o qual os brasileiros puderam travar contato prático no início dos Anos 1990, quando do processo de afastamento do então presidente Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito diretamente pelo povo depois de um hiato de quase três décadas.

o que é impeachment

Desde então, outra presidente, Dilma Rousseff foi afastada através do impeachment e seu sucessor, Michel Temer, enfrenta a possibilidade de ser afastado do cargo devido a denúncias de corrupção.

O que é impeachment e o significado de impeachment

O impeachment é um mecanismo de origem inglesa cujo surgimento data do Século XIV. Trata-se de um procedimento através do qual um corpo legislativo apresenta acusações contra um alto oficial do governo.

Segundo o dicionário Merriam Webster’s, o termo “impeach”, do qual vem a palavra “impeachment”, deriva do Inglês Médio (nome dado ao inglês falado entre a invasão normanda em 1066 e o final do Século XV) empechen, que, por sua vez, deriva da forma “empecher”, pertencente ao francês falado na Inglaterra por influência dos invasores normandos. “Empecher”, por sua vez, se originou do latim “impedicare”, que tinha o sentido de “deter”, “limitar os movimentos de”.

O instituto do impeachment na Inglaterra permitia à Câmara dos Comuns (a câmara baixa do parlamento do Reino Unido, mais ou menos o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) julgar quem quer que fosse, nobre ou plebeu, por qualquer crime. Com isso, era possível a um membro da Câmara dos Comuns acusar um representante real de crime.

Caso a Câmara dos Comuns votasse pelo impeachment, o funcionário seria então julgado pela Câmara dos Lordes (a câmara alta do Parlamento). Como o impeachment não dependia da aprovação real, ele podia ser usado para remover os funcionários que contassem com o apoio do soberano, o que dava ao Parlamento um instrumento com que influenciar a política governamental e expressar insatisfação com ela.

O Impeachment no mundo

O triunfo da ideia de que os ministros são responsáveis perante o Parlamento em vez de apenas perante o soberano deu ao corpo legislativo o poder necessário para afetar a política do governo e corrigir ou punir desvios de seus altos funcionários sem a necessidade de aplicar a complicada mecânica do impeachment. Por isso, em seu berço natal, o impeachment caiu em desuso e muitos chegam a considerá-lo obsoleto. Ainda assim, muitos países adotaram esse instrumento para lidar com acusações contra figuras imbuídas de poder estatal.

Segundo John Murphy e Pegi Deitz Shea, autores do livro The Impeachment Process (em português, O Processo de Impeachment), o uso do impeachment estava em seu auge na Inglaterra quando os ingleses começaram a estabelecer suas colônias no continente americano.

Em resposta a comportamentos considerados abusivos dos reis Stuarts, o Parlamento Britânico passou a defender agressivamente seu direito de usar o impeachment contra representantes reais. Os membros das assembleias coloniais no continente americano, também insatisfeitos com muitas das políticas adotadas pelos soberanos Stuarts, logo viram no impeachment um instrumento que poderiam usar para afastar representantes reais (John Harvey, governador da Virgínia, por exemplo, foi afastado em 1639) em uma colônia ou pelo menos desafiar o poder de funcionários que, normalmente, não respondiam a ninguém exceto ao rei e simultaneamente tornar público seu descontentamento com a política da metrópole em uma colônia.

A tradição foi mantida após a independência: mais da metade dos treze estados originais acolheu o impeachment em suas constituições. O mecanismo exato do impeachment e quais os crimes que sujeitavam uma pessoa a ele variavam de estado para estado.

Enquanto na Virgínia o impeachment, uma vez aprovado pela câmara baixa estadual era julgado pela Suprema Corte do estado, em outros estados cabia à câmara alta local (ainda hoje, a maioria dos estados americanos tem legislativo bicameral) fazer o julgamento. Enquanto New Jersey apresentava um vago “misbehavior” (em português, mau comportamento) como motivo para impeachment, na Pensilvânia, um detentor de cargo público só podia ser submetido ao impeachment por falhas relacionadas ao cumprimento dos deveres do cargo.

Quando a Constituição dos Estados Unidos substituiu os Artigos da Confederação, trocando o governo central fraco (e sem presidente) por um poder executivo relativamente forte, ficou clara a necessidade de se estabelecer um mecanismo que permitisse em casos excepcionais substituir o presidente antes do fim de seu mandato. Benjamin Franklin, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, signatário da Declaração de Independência e delegado à Convenção Constitucional que deu origem à Constituição, afirmava que, na ausência de um meio legal de remover um funcionário corrupto ou incompetente, a opção que sobraria seria o assassinato, o que, se observou, custaria ao detentor do cargo a vida e o direito de provar sua inocência.

Entre as decisões tomadas pelos membros da Convenção Constitucional estão a de que o impeachment seria aplicável apenas a detentores de cargos públicos – e apenas por crimes cometidos no exercício dos cargos públicos – e que, exceto pelo afastamento do cargo e possível inabilitação para a ocupação de funções públicas, o processo de impeachment não causaria nenhuma outra punição. Isso, porém, sem prejuízo das penas que o Judiciário pudesse vir a estabelecer para esses crimes.

No âmbito federal, o artigo segundo da Constituição dos Estados Unidos, que estabelece o poder executivo do governo federal do país, determina que o Presidente, o Vice-Presidente e todos funcionários civis dos Estados Unidos podem ser removidos através do impeachment e condenados em casos de traição, suborno e outros crimes. A Câmara dos Representantes (o equivalente de uma câmara baixa no Congresso dos Estados Unidos) pode decidir reconhecer que as acusações contra um dos detentores de cargo público abrangidos pelo artigo citado há pouco são procedentes, ou seja, decidir “to impeach” esse funcionário por maioria simples. Por si só, o impeachment não resulta no afastamento do funcionário atingido.

Caberá, então, ao Senado constituído em tribunal julgar o impeachment – esse julgamento, sim, pode redundar no afastamento do funcionário. Uma analogia pode ser feita com o “indictment” nas cortes comuns americanas. Nos casos cabíveis, um “grand jury” (grande júri) determina se as acusações da promotoria são cabíveis. A decisão afirmativa não é, por si só, uma condenação, apenas significa o estabelecimento de uma acusação formal e a transformação do acusado em réu, que é julgado por um “petit jury”, um “pequeno júri”, esse, sim, responsável por julgar o acusado.

Do mesmo modo, o voto da Câmara dos Representantes estabelece (ou não) acusações consideradas procedentes para que o Senado decida quanto à culpa ou inocência do funcionário acusado. São necessários dois terços dos votos dos Senadores para alcançar a condenação. Assim que condenado pelo Senado, o funcionário é automaticamente afastado.

Apenas dois presidentes americanos, Andrew Johnson, vice-presidente e sucessor de Lincoln, e William (Bill) Jefferson Clinton sofreram impeachment. Nenhum dos dois foi condenado pelo Senado, embora Johnson tenha escapado por um único voto. Richard Nixon foi alvo na Câmara dos Representantes de um processo de impeachment motivado pelo escândalo de Watergate, mas renunciou antes que o processo, aprovado pela Comitê do Judiciário da Câmara (por onde, atualmente, os processos de impeachment nessa casa costumam passar inicialmente), fosse votado pelo plenário da Câmara dos Representantes.

Embora em 1797, a Câmara dos Representantes tenha aprovado o impeachment de um Senador, houve quem argumentasse que o impeachment não se aplicava a membros do Congresso. De qualquer modo, o próprio Senado acabou removendo-o através do mecanismo pelo qual a Constituição permite a uma das casas do Congresso expulsar um dos seus membros.

Em nenhuma outra ocasião, a Câmara dos Representantes tentou aplicar o impeachment a um membro do Congresso. O primeiro funcionário federal a sofrer impeachment foi o juiz John Pickering, por motivo de embriaguez e decisões ilegais. A Câmara aprovou o impeachment em 2 março de 1803 e o Senado condenou-o pouco mais de um ano depois em 12 de março de 1804.

Adversários do então presidente Thomas Jefferson, que mandara à Câmara informações quanto à suposta incapacidade do juiz, acusaram-no de estar tentando usar o mecanismo do impeachment para usurpar poder que não lhe pertencia. Esse tipo de acusação é comum em casos de processo de impeachment. Ainda em 1804, Samuel Chase, juiz da Suprema Corte, também por instigação do presidente Jeferson, sofreu impeachment, mas o Senado acabou absolvendo-o.

Apesar das disposições legais que o regulam, em seu âmago, o processo de impeachment, nos Estados Unidos bem como nos outros países que o adotaram, é um processo político em que acabam por pesar fortemente fatores como a relação de forças entre os grupos políticos e a opinião popular. Gerald Ford, quando membro da Câmara dos Representantes, liderou uma tentativa fracassada de aplicar o impeachment a William O. Douglas, juiz da Suprema Corte de tendência esquerdista.

Na época, Ford disse que infração ao qual o impeachment é aplicável é aquela à qual a maioria da Câmara dos Representantes acha em determinado momento que o impeachment é aplicável. Douglas tinha sido acusado de impropriedades financeiras e a publicação de um artigo seu em uma revista acusada de ser vulgar foi usada como argumento contra ele. Interessantemente, Ford, alguns anos depois, tornou-se presidente depois que Richard Nixon renunciou para evitar o impeachment.

Embora haja clamores, vindos de certos setores da sociedade estadunidense, pelo impeachment do polêmico presidente Donald J. Trump, acusado de ter se mancomunado com o governo da Rússia para ser eleito, até agora, as chances de que isso aconteça são pequenas.

No final de 2016, Park Geun-hye, presidente da Coreia do Sul envolvida em um escândalo de corrupção, foi afastada temporariamente da presidência do país pela Assembleia Nacional com base no artigo 65 da constituição do país asiático. O primeiro-ministro assumiu interinamente a presidência até que, nos termos da lei, a Corte Constitucional da Coreia tomasse a decisão final.

Em 10 de março do ano seguinte, a Corte Constitucional, em uma decisão unânime, tornou definitivo o afastamento, o que levou à realização de uma eleição presidencial em 9 de maio do mesmo ano. Antes do impeachment de Park, o presidente sul-coreano Roh Moo-hyun tinha sido afastado em 2004 pela Assembleia Nacional, mas manteve o apoio popular e foi reinstalado pela Corte Constitucional.

Além de Estados Unidos e Coreia do Sul, vários outros países (por exemplo, Índia, Bulgária, Irlanda, Alemanha e, claro, o Brasil) possuem em suas leis o recurso do impeachment pelo menos contra alguns tipos de detentores de cargos públicos embora seu uso possa, na prática, ser bastante polêmico e suscitar acusações de vingança, de tentativa de passar por cima da decisão dos eleitores e de se preocupar com interesses outros que não os da pátria.

Além dos brasileiros Fernando Collor e Dilma Rousseff, entre os líderes latino-americanos destituídos através de um processo de impeachment, podem ser mencionados o paraguaio Fernando Lugo, em 2012, e o equatoriano Abdalá Jaime Bucaram, em 1997, embora nesse último caso a lei não tenha sido rigorosamente seguida (o Congresso destituiu-o com uma maioria simples em vez da maioria de dois terços exigida pela Constituição).

Impeachment no Brasil

A primeira constituição republicana do Brasil, a de 1891, inspirada na Constituição dos Estados Unidos, estabeleceu em seu artigo 53 que, caso a Câmara dos Deputados julgasse procedentes as acusações contra o presidente da República, este seria afastado do cargo e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, caso se tratasse de um crime comum ou pelo Senado, caso se tratasse de um crime de responsabilidade.

Os crimes de responsabilidade do presidente foram definidos no artigo seguinte, o artigo 54. Entre eles, incluíam-se os que atentassem contra “a Constituição e a forma do Governo federal” ou contra a “a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos”. A Câmara também tinha o poder de julgar procedentes acusações contra os ministros de estado em crimes conexos com o do presidente. Todas as constituições brasileiras subsequentes incluíram o dispositivo de impeachment mesmo que não fosse mencionado por esse nome.

Em 1950, sob o regime da Constituição de 1946, foi sancionada uma lei para reger o impedimento do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou do Procurador Geral da República em casos de crimes de responsabilidade (mesmo que apenas tentados) e dos Governadores e Secretários dos Estados por crimes de responsabilidade praticados: a Lei Nº 1.079, de 10 de abril de 1950. Ainda hoje, é ela que rege o processo de impeachment no Brasil, o que é alvo de algumas críticas. Em entrevista ao site do jornal El País, o cientista político Leon Victor de Queiroz criticou a lei que rege o impeachment afirmando que ela é vaga, o que deixa o presidente vulnerável, e que uma constituição detalhista como a brasileira não deveria ter deixado algo tão importante para ser regido por uma lei ordinária da década de 1950.

Em 1955, o Congresso Nacional aprovou o afastamento de dois presidentes, mas o processo usado não foi o prescrito pela Lei Nº 1.079. Estava-se então no auge da conspiração da UDN contra a posse do então presidente eleito Juscelino Kubitschek, que havia vencido o pleito presidencial daquele ano e deveria tomar posse no ano seguinte. Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, seu vice, Café Filho, tinha se tornado presidente. Em novembro de 1955, Café Filho licenciou-se do cargo sob pretexto de tratar-se de uma condição cardíaca, o que levou o presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz a assumir interinamente a presidência.

Suspeitando que as atitudes tomadas por Luz no exercício da Presidência eram parte de um golpe para impedir a posse de JK, o General Henrique Teixeira Lott liderou na madrugada do dia 11 de novembro um movimento militar que destituiu Carlos Luz, que fugiu a bordo de um cruzador da Marinha. Nesse mesmo dia, respondendo a um pedido do general Lott, a Câmara e o Senado decidiram, depois de turbulentas sessões, aprovar o afastamento de Carlos Luz da Presidência. Lott, que havia apresentado a Carlos Luz sua demissão do Ministério da Guerra no dia 10, foi reconduzido ao cargo por Nereu Ramos, Primeiro Vice-Presidente do Senado (o Presidente do Senado era, de acordo com o disposto na Constituição de 1946, o vice-presidente da República) que assumira a presidência da República com o afastamento de Carlos Luz.

No dia 21 de novembro, tendo Café Filho manifestado o desejo de retornar ao cargo do qual se licenciara, Lott cercou a residência dele com tropas e solicitou que a Câmara e o Senado aprovassem o afastamento de Café Filho. Mais uma vez, as duas casas atenderam ao pedido de Lott no mesmo dia em que ele foi feito. Nenhum desses dois casos de afastamento de presidente realizados diante do fato consumado de um movimento militar vitorioso seguiu as formalidades estabelecidas pela lei (dispensaram-se, por exemplo, os prazos prescritos por ela sob os pretextos de urgência e risco de guerra civil) embora ambos pelo menos tenham retido desta o recurso à votação pelos plenários das duas casas legislativas.

Em 1964, o então presidente do Congresso Auro de Moura Andrade, diante da vitória iminente do movimento militar que pretendia depor o presidente João Goulart e da ida deste para o Rio Grande do Sul, onde tentaria resistir ao golpe, declarou empossado o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli.

Em 1969, com a doença do Marechal Costa e Silva, os Ministros Militares (do Exército, da Marinha e da Aeronáutica) baixaram o Ato Institucional Número 12, que, entre outras coisas, atribuía a eles as funções do Presidente afastado por motivo de saúde, vetando assim a posse do substituto constitucional, o Vice-Presidente Pedro Aleixo, cujo cargo – assim como o de Costa e Silva até então considerado apenas temporariamente afastado – foi declarado vago pelo AI-16, de 14 de outubro de 1969, que definitivamente extinguiu os mandatos do presidente e do vice.

Esse Ato Institucional também determinou a eleição pelo Congresso Nacional, controlado e expurgado pelo regime, de um Presidente e de um Vice-Presidente para novo mandato, que iria de 15 de outubro daquele ano a 15 de março de 1974. Em nenhum dos casos de afastamento de detentores de cargos públicos federais mencionados até agora, recorreu-se à lei que rege o impeachment.

A primeira vez em que um presidente brasileiro foi afastado através do dispositivo do impeachment foi em 1992, quando o primeiro presidente brasileiro a ser eleito diretamente depois do Golpe de 64, foi afastado sob a acusação de corrupção. Em 2016, o segundo impeachment presidencial da história brasileira aconteceu quando Dilma Rousseff foi afastada do cargo.

Como funciona um impeachment de presidente no Brasil

Como dito acima, o processo de impeachment ou impedimento é, no Brasil, atualmente regido pela Lei Nº 1.079, de 10 de abril de 1950 e pode ser aplicado ao Presidente, aos Ministros de Estado, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao Procurador-Geral da República, aos Governadores e aos Secretários Estaduais.

Os Prefeitos podem ser afastados de seus cargos pela Câmara dos Vereadores através do rito estabelecido no Decreto-Lei Nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que também estabelece acusações que podem ser julgadas pelo Poder Judiciário independentemente de qualquer manifestação do Legislativo municipal.

Nos concentraremos aqui no impeachment do Presidente da República. Basicamente, os passos para o impeachment de um presidente são os seguintes:

  1. O Presidente da Câmara dos Deputados considera um pedido de impeachment, que pode ser elaborado por qualquer cidadão brasileiro, bem fundamentado e o aceita, determinando a criação de uma comissão especial para estudar o pedido e receber a defesa do mandatário acusado.
  2. A comissão, após ter recebido a defesa do presidente, produz um parecer, que pode recomendar ou não o acolhimento do pedido de impeachment.
  3. O parecer da comissão é apresentado ao Plenário da Câmara, que pode considerar procedente a acusação com o voto de 2/3 dos deputados (atualmente, isso significa 342 votos). A partir desse momento, o Presidente já é afastado provisoriamente (o que, como visto acima, não acontece no modelo americano, mas acontece no sul-coreano contudo). O afastamento é por 180 dias ou até o resultado do julgamento no Senado – porém, por razão a ser vista adiante, não aconteceu com Dilma Rousseff.
  4. Aprovado pelo Plenário, o processo vai para o Senado, que se constitui em tribunal presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. É preciso o voto de dois terços dos Senadores (ou seja, 54) para condenar e afastar definitivamente o Presidente, que é então substituído em caráter permanente pelo Vice-Presidente e ainda fica inelegível pelo período de oito anos. Foi o que aconteceu com Collor. Em uma decisão polêmica, porém, no que foi chamado de “impeachment fatiado”, os Senadores optaram por preservar a capacidade de Dilma de ocupar cargos eletivos. A seguir, ver-se-á que, apesar de regidos pela mesma lei, houve diferenças significativas entre os processos de impeachment de Collor e de Dilma.

Impeachment de Collor

Pouco tempo depois da posse de Collor, cuja popularidade começara a se desgastar com seu fracasso no combate à inflação e medidas radicais como o confisco da poupança, surgiram denúncias de que o tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, o PC, comandava um gigantesco esquema de corrupção.

Denúncias como a de Luiz Octavio Carvalho da Motta Veiga, ex-Presidente da Petrobras, que disse PC tentara impor à empresa um acordo lesivo ao interesse público, e a de Pedro Collor, irmão do presidente que, levado por disputas de negócios com PC em Alagoas, terra do presidente Collor e base da organização empresarial da família dele – então comandada por Pedro – deu  uma entrevista à revista VEJA, em maio do ano de 1992 (anunciada na capa do semanário com a frase “Pedro Collor Conta Tudo”), em que denunciava o conluio de Collor e PC em um esquema que saqueava o Erário e lavava dinheiro no Exterior, enfraqueceram ainda mais a posição de Collor.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pelo Congresso Nacional descobriu, entre outras coisas, que contas fantasmas controladas por PC Farias tinham financiado uma espetacular reforma na casa particular em que Collor vivia, a Casa da Dinda. Na imprensa, comentava-se que o ex-tesoureiro gabava-se pagar as contas da mulher de Collor, Rosane (cuja gestão na LBA, Legião Brasileira de Assistência, foi marcada por escândalo), chegando a dizer que “madame está gastando demais”.

Uma das ligações entre PC e Collor descobertas foi a compra de um automóvel Fiat Elba para Collor com dinheiro de uma conta fantasma operada por Paulo César Farias. A CPI estabeleceu que milhões de dólares haviam sido recebidos pelo então presidente irregularmente por conta de sua participação no que foi apelidado de Esquema PC.

As provas que se acumularam do envolvimento do Presidente em crimes de responsabilidade estimularam manifestações populares – nas quais se destacaram estudantes com as caras pintadas, “Os caras-pintadas” – pelo afastamento do presidente. Em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados afastou Fernando Collor, que foi substituído em caráter provisório pelo Vice-Presidente Itamar Franco.

O processo foi enviado para o Senado. Em 29 de dezembro daquele mesmo ano, poucas horas antes da votação do Senado, Collor renunciou ao mandato em uma tentativa de evitar a condenação e preservar seus direitos políticos. A manobra falhou porque os senadores decidiram levar a votação a cabo e Collor foi condenado por 76 votos a 3, ficando inelegível por 8 anos.

Impeachment de Dilma Rousseff

Reeleita em 2014, depois de eleita presidente em 2010 graças em boa parte à popularidade de seu antecessor e correligionário Luís Inácio Lula da Silva, Dilma, em seu segundo mandato, teve sua popularidade corroída por denúncias de corrupção em seu governo e no de Lula (inclusive envolvendo a Petrobras, cujo conselho de administração ela comandara – o caso do  Petrolão) e por uma conjuntura financeira que combinou violenta retração do PIB e explosão do desemprego (cujos baixos índices tinham sido um dos pontos mais destacados pelos defensores dos governos petistas até então).

As manifestações de rua contra a mandatária e a mobilização de organizações da sociedade civil como a FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo) serviram para pressionar congressistas. Consequentemente, a heterogênea base de sustentação da petista no Congresso, a princípio com números suficientes para barrar o processo de impeachment, esfacelou-se. Um pedido de impeachment da chefe de governo foi oferecido Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal e acolhido pelo então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, ele próprio envolvido em acusações de corrupção (posteriormente, foi preso).

Um pedido de impeachment deve arrolar crimes de responsabilidade que tenham sido cometidos no mandato em curso. O pedido aceito por Cunha acusava Dilma, entre outras coisas, de ter  agido contra a probidade na administração pública ao permitir a seus subordinados que praticassem impunemente atos contra a Constituição, os quais ela ignorou como se deles não soubesse, e ter infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal ao dar as famosas “pedaladas fiscais”, casos em que adiantamentos feitos por bancos controlados pela União, que, segundo a lei, não podiam emprestar para o ente que os controla, foram usados em programas de responsabilidade do governo federal.

A comissão especial da Câmara aprovou um parecer recomendando o impedimento da presidente. Em 17 de abril, o parecer da comissão foi aprovado com 367 votos pelo Plenário da casa. O parecer da Câmara foi encaminhando ao Senado, que formou sua própria comissão especial, que acabou recomendando a abertura de processo contra Dilma Rousseff.

Em 12 de maio, o Senado aprovou, por 55 votos contra 22, a abertura de processo contra a presidente, que foi então interinamente substituída pelo vice, Michel Temer. Em 31 de agosto, por 61 votos a 20, o plenário do Senado aprovou o afastamento em definitivo de Dilma Rousseff da presidência. Uma segunda votação reuniu apenas 42 votos para a cassação dos direitos políticos de Dilma Rousseff – teriam sido necessários 54 votos (ou seja, os votos de dois terços dos membros do Senado) para cassar seus direitos políticos, que foram, portanto, preservados.

Diferenças entre os processos de impeachment de Collor e Dilma

Como se pode depreender das descrições sumárias dos processos dos dois únicos presidentes brasileiros que sofrerem impeachment, eles apresentaram diferenças. Uma das principais foi o fato de que, resguardado o direito de quem se sentisse prejudicado de recorrer à Justiça, o STF, diante das dúvidas sobre a adaptação da lei de 1950 que rege o impeachment à Constituição de 1988, deu liberdade para o então presidente da Câmara Ibsen Pinheiro definir o rito do processo.

No caso do impeachment de Dilma Rousseff, o STF impediu Eduardo Cunha de aplicar o rito que tinha em mente. Outra diferença foi que Collor foi afastado provisoriamente logo depois da decisão tomada pelo Plenário da Câmara, mas Dilma foi afastada provisoriamente apenas depois que o Plenário do Senado aprovou a instauração de processo. Enquanto a lei de 1950 diz que a suspensão do presidente de suas funções se dá com a aprovação do Plenário da Câmara, a constituição vigente, em seu artigo 86, diz que a suspensão acontece apenas com a instauração de inquérito pelo Senado.

Segundo o Ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Cardozo, na época de Collor houve pouco questionamento jurídico e o STF não foi chamando a decidir a questão. Por fim, outra diferença foi o fato, ressaltado pelo próprio Collor na condição de senador, de que a Dilma Rousseff foi permitido conservar seus direitos políticos em vez de tê-los cassados como consequência de seu impedimento definitivo.