Privatização

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Para entendermos o termo Privatização, primeiramente precisamos de uma breve contextualização. De forma geral, quando falamos em privatização, o significado imediato é o de tornar privado um patrimônio que é público. Ou seja, significa pôr à venda, um determinado patrimônio estatal, normalmente empresas.

A ideia é bastante antiga – as primeiras referências são da década de 1930 – mas, se alguém teve esta ideia é porque havia patrimônio para ser vendido. Por mais que pareça simplista, esta última frase revela um dos principais dilemas da discussão acerca da privatização. Afinal, se um Estado possui uma empresa, deve haver um motivo, certo?

Vamos partir do exemplo da maior estatal brasileira atualmente: a Petrobras. Quando foi criada, pelo governo de Getúlio Vargas, no final dos anos 1940, a indústria da extração petrolífera estava se tornando uma das mais pujantes do mundo. Naquele momento, a Segunda Guerra Mundial havia demonstrado a importância que aquele recurso natural tinha.

As máquinas de guerra alemã e japonesa tiveram enormes dificuldades nos períodos finais do conflito, por não controlarem grandes reservas petrolíferas, ao contrário dos Estados Unidos e da União Soviética. Resumindo, qualquer país precisava ter algum tipo de controle sobre as fontes de energia. Países maiores, com pretensões industriais, mais ainda.

significado de privatização

Áreas estratégicas versus serviços essenciais

Com a intenção de descobrir e explorar possíveis reservas nacionais, Vargas criou a Petrobras, apostando no futuro. Em período posterior, já estabelecida, a empresa se tornou peça estratégica no planejamento econômico dos governos militares, entre 1964 e 1985. A Petrobras se consolidou como grande produtora e, também, como um dos motores da economia nacional.

Porém, após a abertura democrática, principalmente nos anos 1990, uma teoria econômica em particular estava se tornando praticamente hegemônica no ocidente: o neoliberalismo. Para o que nos interessa nesta discussão, o neoliberalismo surgia como resposta para uma das crises cíclicas do capitalismo e consistia num resgate parcial do liberalismo clássico.

Entre as suas doutrinas, estava embutido o princípio de que todas os bens e serviços não essenciais de um Estado deveriam passar por um processo de privatização. O que é resultado direto de uma ideia maior: o Estado Mínimo. Em outras palavras, o Estado deveria se preocupar apenas com aqueles serviços com os quais a iniciativa privada não podia ou não queria lidar. Ou ainda – mesmo que pudesse ou quisesse – não iria lidar de forma suficientemente adequada para o atendimento da população.

Neste bolo, entram a educação, a saúde e a segurança pública, por exemplo. Por este ponto de vista, o petróleo certamente não é um item com o qual um governo deveria estar envolvido diretamente. Este é o princípio básico que explica o que é privatização. Enxugar o Estado, diminuir seus custos e processos burocráticos, permitindo que se dedique ao que importa.

Esta é a teoria. A prática é bastante mais complexa. Principalmente porque o conceito neoliberal de “essencial” não respeita o conceito geral da palavra “essencial”. Em outras palavras, a banalização da teoria neoliberal, fez um grande número de pessoas suporem que existe um conjunto específico de atividades essenciais e, por consequência, que podem ser impostas como um molde para todos os países.

Mas então estamos defendendo o Estado “balofo”?

Não. A crise de 2008 demonstrou que o pensamento neoliberal tem inúmeros problemas, sobretudo o incentivo à desregulamentação dos mercados. Ou seja, a ideia de que os governos não devem estabelecer regras rígidas para a atividade econômica porque o mercado, a partir da livre concorrência, acaba se regulando pelas disputas entre as forças do própria mercado.

Neste sentido, sugerir um pacote mínimo de serviços governamentais é o menor dos problemas. Por outro lado, estas duas percepções do neoliberalismo, reforçaram as críticas de que a teoria atua como uma espécie de bíblia para o crente no “deus mercado”. Esta é, justamente, uma das portas de entrada para os argumentos contra a privatização. Argumentos que vão, desde a necessidade da regulamentação governamental, principalmente em áreas sensíveis, como o mercado financeiro, até a defesa pura e simples das estatais.

Isso porque, observando a questão racionalmente, sem a influência de nenhuma ideologia, a privatização tem vantagens e desvantagens. É claro que, se o governo federal é dono de um motel em uma cidadezinha, ou de uma padaria em outra, privatizar é uma opção lógica. Mas não é deste tipo de privatização que estamos tratando, quando falamos da Petrobras ou da Vale do Rio Doce.

Para entender melhor a privatização, seus pontos positivos e negativos, vamos verificar sua evolução histórica recente no Brasil.

Privatização no Brasil

O grande debate sobre as privatizações começou já no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Fazia parte de seu programa sanear o Estado brasileiro, o que naquele contexto significava vender estatais. Provavelmente a intenção era vender todas, mas houve muita resistência política e popular.

O Estado era dono de muitas empresas que prestavam serviços, como as companhias telefônicas, mas também era dono de gigantes do ramo energético e da exploração de recursos naturais. A maioria dos processos de privatização foram longos, envolveram protestos e debates acalorados, mas, passados vários anos, sabemos que vender, ou terceirizar, foi uma boa opção em alguns casos.

No setor de serviços, há dois exemplos claros de privatizações bem sucedidas. Primeiro, o setor de telecomunicações, com a venda da Telebras. Para que se tenha ideia, na década de 1980, não bastava ter dinheiro para comprar um linha telefônica, era preciso entrar em uma fila de espera que podia durar meses ou anos.

Segundo, as concessões de serviços como as rodovias federais, exemplo que depois foi seguido por muitos estados brasileiros. Mesmo que você ache os pedágios muito caros, não há como negar que as rodovias concessionadas melhoraram. Mas também houve problemas, inclusive alguns, que apareceram anos depois. Um destes exemplos de privatização problemática é a Vale do Rio Doce.

Privatização da Vale do Rio Doce

Na época de sua privatização, em 1997, a Vale não era uma empresa conhecida como a Petrobras. No entanto, em sua área de atuação, era tão grande e importante quanto a petrolífera, sendo uma das maiores mineradoras do mundo. Naquele momento, as críticas ao processo estavam centradas em três pontos principais.

Primeiro, o fato de que os minérios explorados pela companhia são um bem estatal. Isto está expresso no artigo 20 da Constituição brasileira, que determina os recursos naturais, incluindo os do subsolo, como uma propriedade do Estado. Esta lei se baseia na importância estratégica dos recursos naturais. Assim como o petróleo, os minérios são riquezas que nem todos os países possuem.

Outro ponto eram os empregos gerados pela companhia. A percepção geral era a de que, uma vez privatizada, a companhia demitiria grande parte de seus funcionários. O terceiro ponto, era o preço, considerado muito baixo, além da forma de pagamento, que se daria através de empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento).

Resumindo, aos olhos do povo, o governo emprestaria o dinheiro para que uma empresa privada comprasse a estatal, demitisse seus funcionários e, ainda, explorasse uma riqueza natural que era do próprio Estado. Passados vários anos, a empresa continua sendo uma das maiores do mundo. Demitiu e também contratou funcionários, mas efetivamente explora riquezas que talvez não devesse.

Talvez não devesse, porque recentemente a empresa esteve envolvida numa das maiores tragédias ambientais da história brasileira: o rompimento da barragem de Mariana. Como consequência, temos um rio inteiro contaminado por um período ainda indeterminado, várias pequenas cidades soterradas pela lama, um número incerto de pessoas mortas, sem falar dos impactos na vida selvagem da região. Ou, talvez, o problema tenha sido o próprio governo. Afinal, é tarefa dele fiscalizar este tipo de atividade.

De qualquer modo, se podemos dizer que o Estado não deve ser dono de empresas, porque não é sua função. Ou ainda, que não deve regular a atividade econômica, porque o mercado se auto regula. Também somos obrigados a nos defrontar com uma tragédia, fruto das atividades de uma empresa privatizada, não fiscalizada adequadamente, embora sua atividade seja regulada pelo Estado.

Como estão as privatizações atualmente?

Esperamos que o exemplo das telecomunicações e da Vale do Rio Doce tenha deixado claro que o problema não está, necessariamente, em privatizar ou não uma empresa ou serviço. O problema está na forma, no valor e, principalmente, quando se trata de uma área estratégica ou serviço essencial, na fiscalização do governo.

Para dar um exemplo relacionado aos chamados serviços essenciais, está em curso a privatização da CEDAE, a companhia de água e esgoto do Rio de Janeiro. Não é preciso dizer que água é um serviço essencial. A má gestão do tratamento pode causar sérios problemas de saúde na população. Mais problemático ainda é o fato de que, caso a má gestão venha a ocorrer, os moradores do estado provavelmente só perceberão que há algo errado quando já estiverem doentes.

De outro lado, o governo estadual está com as finanças em frangalhos e vender a companhia parece ser a única alternativa, certo? Isso depende de que lado você está na discussão. De um ponto de vista puramente administrativo, vender pode ser a única alternativa. De um ponto de vista humanitário, a água é importante demais para ser privatizada.

Para oferecer um último exemplo, vamos lembrar que a privatização da Petrobras vem sendo feita aos pedaços. Mas, vamos esquecer as possíveis críticas à forma ou aos valores. Vamos nos concentrar em apenas um detalhe. A empresa tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo para explorar. Independentemente da posição política da cada indivíduo, esta questão deveria ser debatida abertamente em uma democracia, fosse qual fosse a decisão final.