Alfabetização do Brasil

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Como todos sabemos, a educação brasileira é uma das áreas mais sensíveis politicamente falando. Por um lado, todos sabemos que é um setor importante, mas, diante da saúde e da segurança pública, sempre acaba sendo uma prioridade “menor”.

Em função disso, a Alfabetização no Brasil tem estado em segundo plano ao longo da história, embora, na última década, o cenário seja menos desolador. Outro fator a ser levado em consideração é que estamos em meio a uma mudança de mentalidade, intergeracional.

Todos os nascidos antes dos anos 1970 conheceram um país muito diferente e, também, jamais poderiam imaginar a revolução das novas tecnologias de comunicação. Para quem nasceu depois dos anos 1980, entretanto, os computadores e a internet foram se tornando cada vez mais presentes.

como é a alfabetização no brasil

A geração atual sequer consegue imaginar o que era o mundo, não apenas o Brasil, sem estas ferramentas. Desta forma, temos duas mentalidades bastante diferentes convivendo. Uma mais antiga, para a qual o trabalho e educação são institutos constituídos de forma imutável.

Outra, mais recente, para a qual o próprio conceito de conhecimento e o mundo do trabalho são mutáveis, de acordo com as circunstâncias. Isso significa que a ideia de que um diploma é uma necessidade para o mundo do trabalho está em permanente corrosão.

A escola tradicional, fundada nos ideais positivistas e/ou iluministas, já não responde adequadamente às necessidades da sociedade contemporânea. Como no Brasil as mudanças são naturalmente mais lentas que no mundo desenvolvido, ainda temos uma longa jornada pela frente até entendermos isso, enquanto nação.

Para as gerações mais jovens, entretanto, essa não é sequer uma questão. O conhecimento é o que importa, saber ler e escrever é apenas uma ferramenta básica obrigatória. Para entender isso melhor, vamos tratar brevemente da história da alfabetização no Brasil.

História de uma colônia: o estudo como privilégio das elites

Como já dissemos, existe uma percepção enraizada na sociedade tradicional de que estudo é para o mundo do trabalho. Algo que se expressa bem nas palavras dos mais antigos de que estudar é necessário para ser alguém na vida. A própria escola tradicional é formatada de acordo com um conjunto básico de conhecimentos supostamente necessários.

Mas, num país que foi colônia de Portugal durante mais da metade de sua história, estudar para o mercado interno era o de menos. Desde o início, havia uma necessidade maior de trabalho menos qualificado e algumas poucas áreas de atuação com poucas oportunidades reais para quem tivesse mais estudo.

Pode-se dizer que estudar era um luxo e, em um país com a maioria da população vivendo no campo, não apenas um luxo, um desperdício de tempo, dentro de uma percepção pragmática da sociedade. A situação só começou a mudar, efetivamente, com a industrialização e o crescimento dos centros urbanos, já em meados do século XX.

Neste contexto, a nascente indústria exigia alguma qualificação dos seus trabalhadores. Saber ler e escrever era apenas o básico essencial. Aos poucos, foram sendo criadas diversas universidades públicas pelo país, mas, sempre em número menor do que o necessário, enquanto o ensino básico, fundamental, se mantinha como uma porta de entrada difícil.

O período do regime militar fez pouco para alterar este quadro e foi apenas no início dos anos 1990 que a política nacional passou a adotar um discurso de erradicação do analfabetismo. Em parte, porque as agências internacionais passaram a fazer levantamentos mundiais sobre o tema.

Se há progressos na alfabetização no Brasil hoje, devemos estes à facilidade com que se pode comparar a situação internacional. E se existem políticas em alfabetização, também devemos isto a uma espécie de consciência global unificada.

Porém, não deixa de ser irônico que estejamos nos esforçando para oferecer uma educação tradicional de qualidade, justamente quando o mundo se move para novas formas, menos rígidas, de ensino e aprendizado. Mas, mesmo neste novo mundo, saber ler e escrever continua fundamental, por isso, vamos discutir este ponto.

O que é ser alfabetizado?

Uma das formas comuns de ofensa é chamar uma pessoa de analfabeta, fazendo alusão a uma suposta burrice, mas, em realidade, uma coisa tem pouco a ver com a outra. Tanto, que em muitos países, inclusive no Brasil, analfabeto pode votar, porque o que lhe falta não é percepção da realidade, ou capacidade de análise política.

Por mais importantes que sejam as habilidades de leitura e escrita, ambas são apenas ferramentas, que podem ser bem ou mal aprendidas ou utilizadas. Daí o conceito de analfabeto funcional, o que traz um quadro totalmente diferente para a discussão.

Uma pessoa alfabetizada, a rigor, é apenas alguém capaz de ler e escrever mensagens simples, não necessariamente alguém que entende mensagens complexas ou profundidades filosóficas, na forma escrita. Ou seja, uma pessoa analfabeta pode não entender os símbolos no papel, mas não necessariamente é ignorante sobre um determinado assunto em si mesmo. Apenas exige que a comunicação se dê de forma oral.

Para ser realmente alfabetizada, uma pessoa deve ser capaz de ler e compreender qualquer assunto que lhe seja importante, ou ainda, que desperte sua curiosidade. Dito isso, cabe esclarecer que a visão política sobre o assunto, considerando o atraso do país, se concentra na alfabetização simples, do acesso à escrita e à leitura como ferramenta.

É nesta concepção que se enquadra o Programa Brasil alfabetizado, que dentro das suas limitações, vem conseguindo avanços significativos. Ou seja, visando eliminar um problema estrutural, o programa se concentra no básico, erradicar o analfabetismo de forma geral para talvez depois poder se concentrar no analfabetismo funcional.

Se é uma boa estratégia, apenas o tempo dirá, mas parece pouco considerando as mudanças tecnológicas em curso. Mais ou menos como se estivéssemos preparando pessoas, hoje, para a vida do século XIX. Seja como for, críticas à parte, vejamos em que consiste o programa.

Sistema Brasil Alfabetizado: um bom início sem grandes objetivos?

Desde os anos 1990, como já dissemos, o analfabetismo se tornou questão central no debate político, mas pouco se fez de útil até os governos mais recentes. Isso porque, apenas oferecer escolas em quantidade não é suficiente. Desta forma, programas como o Bolsa Família, que exigem matrícula das crianças em idade escolar para o recebimento do benefício, ajudam a complementar um quadro geral de incentivo ao estudo.

Em outras palavras, a política brasileira passou a entender que, mais importante que acabar com o analfabetismo já existente, é impedir que as novas gerações produzam novos analfabetos. Surpreendentemente, isso tem funcionado razoavelmente bem.

A taxa de alfabetização no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem aumentado, lenta, porém, continuamente desde 1992, quando começou a série de levantamentos. Para que se tenha ideia deste progresso, basta analisarmos os números referentes aos maiores de 15 anos.

Nesta faixa etária, a alfabetização no Brasil passou de uma porcentagem de cerca de 85 alfabetizados para cada cem brasileiros em 1992, para pouco mais de 90% já nos anos 2010. Ou seja, um avanço lento, porém significativo, na medida em que, na outra ponta, no ensino fundamental, as taxas de evasão escolar demonstram que praticamente paramos de produzir novos analfabetos.

Por mais triste que seja observar que a alfabetização no Brasil em 2016 ou 2017 ainda é alta quando comparada aos países desenvolvidos e, também, por mais que se possa criticar a qualidade da alfabetização oferecida, pelo menos neste caso, o governo brasileiro parece estar no caminho certo.

Enquanto a rede de proteção social, composta por programas diversos como o Bolsa Família, procura evitar a proliferação do analfabetismo, o Programa Brasil Alfabetizado tenta eliminar o estrago dos períodos anteriores, incentivando financeiramente outros programas, principalmente em municípios do Nordeste, voltados para a população acima de 15 anos.

A crueldade dos números e o futuro incerto da educação

Se nos fizemos entender, a atual política de educação brasileira evita novos analfabetos, mas tem poucos instrumentos reais para corrigir os erros já cometidos com as gerações anteriores. Por isso, a visão geral pode parecer cruel: para quem nasceu há mais tempo, ser analfabeto é uma condição que dificilmente mudará.

Por outro lado, a maior crueldade está relacionada às novas gerações. Oferecer a elas simplesmente alfabetização, embora seja um bom começo, é muito pouco no cenário atual em que o mundo do trabalho e as opções de vida estão se desfazendo e multiplicando constantemente.

Certamente, esta é uma outra discussão, que envolve inúmeros conceitos filosóficos sobre a função da educação e também sobre estar ou não relacionada ao trabalho. Se considerarmos, entretanto, que educação é para a vida, não para o trabalho, alfabetizar alguém faz pouco além de entregar uma ferramenta e deixar que a pessoa descubra por conta como utilizá-la.

De certa forma, sempre foi assim, mas, atualmente, considerando as inúmeras possibilidades que a internet oferece, para uma vida plena, seria importante superar a relação educação/trabalho e partir para um modelo que, além de fornecer as ferramentas básicas, ajudasse a trilhar o caminho.

Antes que se diga que isso é impossível, ou que é utópico, seria importante observar o movimento de mudança em curso nos países desenvolvidos, para um sistema educacional fluído, centrado nos interesses individuais, mais que em um currículo fixo. Mas, como dissemos, esta é outra discussão.