Anistia ao Caixa Dois

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Para entender a Anistia ao Caixa Dois, primeiro precisamos saber o que é caixa dois. Sobretudo, o que significa caixa dois no mundo da política já que, como sabemos, o termo é muito mais comum no meio empresarial. Sendo assim, vamos começar por este último.

De forma bastante simples, caixa dois faz referência ao fluxo de caixa de uma empresa. Ou seja, as entradas e saídas de recursos financeiros no dia a dia de um negócio. Em princípio, se há um caixa dois, é porque também existe um caixa um. Do contrário, a empresa em questão não teria movimentação oficial nenhuma.

A prática do caixa dois tem um único objetivo: realizar operações financeiras não declaradas e, assim, não pagar os impostos que seriam devidos. No entanto, as operações financeiras atuais são quase todas eletrônicas e o Ministério da Fazenda – responsável pelo controle e cobrança do imposto de renda – é, possivelmente, a área mais informatizada e eficiente do governo federal.

o que é anistia ao caixa dois

Como resultado, seria de se esperar o caixa dois acabasse desaparecendo e, talvez, até acabe um dia. Por enquanto, muitos empresários parecem acreditar que o risco ainda vale a pena. Mas, independentemente de valer a pena ou não, procure imaginar que a forma “menos arriscada” é realizar estas transações em dinheiro, à parte do sistema bancário. Depois, imagine o trabalho envolvido. Guardar e transportar grandes somas de dinheiro em espécie, não é nada fácil.

Caixa dois é crime

Do ponto de vista de um dono de restaurante, cidadão de bem, que só quer tocar sua vida, sonegar um imposto aqui e outro ali pode muito bem parecer uma simples estratégia de sobrevivência, mas a verdade é que caixa dois é crime e, para a lei, pouco importa se estamos falando de cinquenta reais ou de cinquenta milhões.

Por outro lado, normalmente a Receita Federal não costuma perder tempo com as pequenas quantias a não ser que, por azar ou descuido, o dono do restaurante caia na malha fina. Como, mesmo que aconteça, ainda é possível negociar e resolver com o pagamento de uma multa, o resultado é que temos uma espécie de cultura da sonegação no meio empresarial.

Dos donos de pequenos negócios até os grandes empresários multi milionários, esta cultura está mais do que comprovada pelas ações da Polícia Federal nos últimos anos. Mas, cultura, é um termo que significa, neste caso, uma prática tolerada socialmente porque habitual. De forma alguma significa que todos os empresários são necessariamente criminosos.

De quais crimes estamos tratando?

1.Falsidade ideológica: o código penal determina, no artigo 299, que é crime: “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, […]”. Ou seja, exatamente o que se faz no caixa dois empresarial, omitir informação da receita federal. Pena de um a cinco anos de prisão e multa.

2.Crime de colarinho branco: a lei 7492 de 1986 é extensa e pode enquadrar o praticante de caixa dois em vários de seus artigos. O artigo 3°, por exemplo, praticamente repete a ideia da falsidade ideológica: “divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira”.

Também aparece no artigo 6°: “induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”. Em todas as situações, a pena pode ser de dois a seis anos além de multa.

3.Crime tributário; trata-se da lei 8137 de 1990. A lógica básica é similar a dos crimes tipificados acima, ficando explícita já no artigo 1°: “constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, […]”; tipificando entre outras, a prática de: “omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias”. Pena de dois a seis anos e multa.

Além destes crimes, ainda há uma quarta possibilidade, que envolve especificamente a política e as campanhas eleitorais. Vamos tratar desta em separado.

A relação entre política e financiamento de campanha

Uma campanha eleitoral custa caro. Em qualquer país democrático, eleições envolvem gastos cada vez maiores. Certa ou errada, a verdade é que, por enquanto, esta é a realidade. Como os partidos não têm fonte de renda própria, dependem de doações de particulares ou de financiamento público (do Estado).

Nos Estados Unidos, por exemplo, a relação entre dinheiro e política é vista de forma muito diferente da que estamos acostumados. No sistema americano, as doações de entidades privadas são consideradas como provas da viabilidade de um candidato. Quanto maior a arrecadação, maior é a percepção pública do candidato como “elegível”.

Também há problemas de irregularidades e, certamente, nem todos os eleitores americanos gostam do fato de as grandes empresas petroleiras, por exemplo, financiarem este ou aquele candidato. Mas, a relação é aberta. O eleitor sabe quem são os financiadores de campanha e os candidatos chegam a se gabar dos apoios.

No Brasil, ao contrário, todo o processo de doação de campanha é obscuro. Não porque o eleitor não tem acesso às informações. A página oficial do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulga os dados de todas as eleições já há alguns anos. O problema é o caixa dois. Este, não está lá.

Lei da anistia: caixa dois eleitoral, também é crime

Quando uma empresa financia uma campanha eleitoral por meio do caixa dois, todos os crimes citados anteriormente continuam sendo imputáveis. Isto é, financiar políticos desta forma não apaga o possível enquadramento naqueles tipos de crime, apenas acrescenta mais um à lista, previsto pelo artigo 350 do código eleitoral. E mais uma vez, a redação é similar aos demais artigos anteriormente citados e às penas também. Diz o artigo que é crime:

“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: […]”

A diferença, como se vê, está na frase “para fins eleitorais”. Esta pequena diferença traz outras possíveis implicações. Afinal, qual o motivo da doação ilegal? De um lado, é uma forma de utilizar o dinheiro fruto da atividade ilegal, uma possibilidade de gastá-lo sem registro.

De outro, mais grave ainda, é também uma forma de comprar favores políticos. Uma troca por leis favoráveis à empresa, relaxamento de regulamentações, fraudes em licitações e etc. Desta forma, adicionamos ao rol de crimes mais alguns possíveis. Boa parte deles, estamos ouvindo diariamente no noticiário, como a lavagem de dinheiro, a corrupção ativa e/ou passiva, entre outros.

E ainda há as penas imputáveis aos políticos, além da possível prisão e multa, como a cassação do mandato (caso esteja ocupando algum cargo público eletivo) e a suspensão dos seus direitos políticos (em qualquer caso), o que significa que fica impedido de se candidatar a qualquer cargo público por um prazo determinado.

Mas, o que é anistia ao caixa dois?

Anistia seria passar uma borracha no passado. O raciocínio é o seguinte: já que o caixa dois é uma prática tão difundida, com muitas empresas e partidos políticos envolvidos, porque não fingir que nada aconteceu e começar do zero, proibindo que aconteça daqui para frente?  Uma espécie de perdão unilateral, o que resume o que é anistia.

Portanto, o conceito de anistia ao caixa dois envolve, justamente, determinar legalmente que todos os crimes do tipo, cometidos até então, estarão automaticamente perdoados, pelo menos na relação com a política. O caixa dois empresarial é outra discussão. Mas a ideia do perdão geral também vem da impressão geral, de que se fossemos prender todos os criminosos, não sobraria empresa, nem partido no país. Apesar de ser exagerada, como já dissemos, é uma percepção muito comum e bastante justificável.

Mas o grande problema talvez seja o fato de que aqueles que defendem um projeto de anistia ao caixa dois desconsideram que existem outras alternativas menos traumáticas. Para dar um exemplo, todos os grandes clubes de futebol do país devem somas astronômicas ao governo. Embora os clubes venham tentando um perdão há anos, nunca chegaram perto de conseguir um acordo neste sentido.

Ao contrário, a linha de ação do governo tem sido, primeiro, fazer o clube reconhecer a dívida e seus valores totais. Segundo, parcelar estes valores de forma que o clube possa pagá-los. Terceiro, desde que não deixe de pagar suas parcelas, nem contraia novas dívidas com o poder público, conceder a CND (Certidão Negativa de Débito). Com este documento em mãos, enquanto estiver cumprindo o acordo, para todos os efeitos legais, o clube deixa de ser devedor.

Um benefício óbvio deste tipo de acordo, do ponto de vista do dinheiro público, é que o Estado não deixa de receber a dívida. Mais ou menos como o cidadão comum, quando faz um acordo para quitar suas dívidas e tirar o nome do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). A empresa recebe pelo menos uma parte da dívida, ainda que parcelada; o cidadão, pode continuar sua vida normalmente, desde que cumpra o acordo.

Evidente que um acordo deste tipo não poderia ser aplicado da mesma forma no mundo político. Nem estamos defendendo que seja. Mas, entre anistiar completamente, tantos crimes cometidos, e negociar uma forma intermediária, qualquer que seja, a última opção é claramente melhor.

Não se está discutindo isso, porque o interesse evidente é perdoar os crimes ou algo que pode ser ainda pior, manter a impunidade.