Autonomia da Polícia Federal

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Nos últimos anos, a Polícia Federal tem estado no noticiário praticamente todos os dias. Isso se deve às investigações e eventuais prisões de políticos e empresários, por suspeita de crimes como corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro, entre outros. No entanto, mesmo que aparentemente tenha o apoio da maioria da população brasileira, existem limites para a Autonomia da Polícia Federal na Constituição.

o que é autonomia da polícia federal

Estes limites são basicamente funcionais e orçamentários. Traduzindo, isso significa que a PF não determina, por si mesma, seu quadro funcional e nem pode decidir sobre a distribuição de gastos do seu orçamento anual. Sua autonomia atual está no poder de investigar livremente, sem interferências externas, com uma importante exceção constitucional.

O MPF (Ministério Público Federal) é um órgão autônomo que propõe investigações à PF, a partir de denúncias externas ou de suspeitas dos próprios procuradores. A PF executa estas investigações e, quando cabível, efetua as prisões necessárias. Mas a PF também conduz investigações por conta própria e, ao tempo certo, as comunica ao MPF, que é o responsável por formalizar as denúncias que entender procedentes.

O tema é confuso para quem não está acostumado e fica pior. O Ministério da Justiça é quem determina o quadro funcional da PF e também distribui seu orçamento de acordo com os limites impostos pelas leis orçamentárias anuais (LOA). Ou seja, o congresso aprova um orçamento geral, para todos os gastos anuais do governo federal.

Dentro deste orçamento, há uma previsão de gasto máximo com toda a estrutura da Polícia Federal. O governo federal libera estes recursos aos poucos, ao longo do ano, de acordo com a necessidade e a disponibilidade de dinheiro. Uma vez liberada a verba, cabe ao Ministério da Justiça decidir como a PF irá gastá-lo dentro de certos limites.

Ainda faltaria dizer que o Ministro da Justiça, sendo tecnicamente “chefe” da PF, pode tentar exercer pressões indevidas sobre o diretor-geral da polícia federal, que, afinal, é indicado pelo próprio ministro.

Por estes motivos, está atualmente em discussão no congresso uma PEC a respeito da autonomia do órgão.

O que é uma PEC?

Trata-se de um Projeto de Emenda Constitucional. Como não se pode reescrever a constituição federal a todo momento, existe na própria lei, uma previsão de que pequenas alterações possam ser feitas através de emendas. Estas, precisam ser aprovadas por uma comissão específica em uma das casas do Congresso Nacional (Senado ou Câmara). Depois, a emenda precisa receber voto favorável de 3/5 dos deputados ou senadores em duas votações.

Se aprovada, segue para a outra casa, onde repete-se o processo. Por exemplo, a PEC 421/14, que determina gastos fixos em percentuais para a cultura, foi a proposta de número 421, feita no ano de 2014. Uma vez protocolada na Câmara dos Deputados, chegou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela casa, onde foi aprovada apenas no ano seguinte. No entanto, outras discussões políticas daquele momento impediram sua continuidade e, até hoje, não foi votada.

Este é um ponto importante. Uma PEC não tem um prazo específico para ser votada. Justamente por isso, pode ficar anos circulando pelas comissões e gabinetes e nunca chegar ao plenário. A PEC 412/09, chamada PEC da autonomia da Polícia Federal, proposta no governo Lula, tinha tudo para ser só mais uma de todas as engavetadas.

O que teria feito com que uma proposta de emenda tão antiga voltasse à tona, seriam as ações mais recentes da PF que, de certa forma, criaram um ambiente de apoio popular às medidas anticorrupção.

Mas, qual o teor da proposta? O que mudaria efetivamente caso a PEC fosse aprovada? Para tentar responder a esta pergunta, primeiro precisaremos repassar alguns pontos básicos sobre as funções da Polícia Federal.

PEC 412: delegados e policiais federais

Quando a constituição federal define qual a função da Polícia Federal, em seu artigo 144, são estabelecidas quatro balizas de atuação:

  1. Investigar crimes cometidos contra o Estado brasileiro e, também, crimes cometidos simultaneamente em dois ou mais estados brasileiros e ainda crimes internacionais.
  2. Combater o tráfico de drogas em específico e o contrabando de forma geral.
  3. Atuar como polícia “marítima, aérea e de fronteira”. Ou seja, nos portos, aeroportos e aduanas de fronteira.
  4. Atuar como polícia judiciária da União. O que basicamente significa atender ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao já citado MPF.

A PEC 412 não altera nenhum destes pontos e nem mesmo a autonomia investigativa da PF que, pelo menos em teoria, já existe. A questão é exatamente a autonomia para decidir sobre o quadro funcional, incluindo seus salários, e a distribuição geral de gastos do órgão que, como já dissemos, atualmente é definida pelo Ministério da Justiça.

Por consequência, a Polícia Federal deixaria de estar vinculada ao Ministério da Justiça e passaria, provavelmente, a ter regras e funcionamento similar ao próprio Ministério Público, que é um órgão independente.

Para o cidadão comum, pode muito bem parecer justo que, através de PEC 412, a Polícia Federal queira decidir por si mesma a melhor forma de empregar os recursos constitucionais a que tem direito. Porém, é necessário atentar para o fato de que, dentro da própria PF, o assunto não é unânime.

Mais importante ainda: a PEC 412 não é a única proposta que está no congresso esperando ser votada.

Os dois lados da discussão

Parece haver uma divisão clara entre os órgãos representativos das classes de servidores da polícia federal. A ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) estando a favor da PEC, e as demais associações, representando agentes, peritos e outros servidores, estando contra.

A associação dos delegados tem uma página oficial do movimento a favor da emenda. Nela, há uma campanha para que os cidadãos ajudem a demonstrar aos deputados e senadores que apoiam a iniciativa. Na página, também há uma explicação bastante direta do que pretendem os delegados:

“[…] a PF está subordinada ao Ministério da Justiça e, por extensão, ao Poder Executivo, que tem poder de promover cortes orçamentários e impedir operações. Isso torna a PF vulnerável a interferências políticas de governantes de ocasião e a impede de combater o crime organizado e a corrupção de forma mais efetiva”.

Por outro lado, sobre a mesma PEC 412, um PDF do Sindicato dos Servidores do Departamento de Polícia Federal no Estado de Rondônia seja, talvez, o documento mais claro e direto a respeito de como os demais servidores entendem a emenda. Citando apenas um trecho, a nota afirma que os servidores:

“Jamais seriam contrários a qualquer ato legislativo que efetivamente contribuísse para melhorar a estrutura do órgão, posto que todos os servidores e mesmo a sociedade seriam beneficiados, mas jamais admitirão inertes que recaia sobre a Polícia Federal e, por conseguinte, à sociedade brasileira, uma estrutura policial com poderes absolutos que trará consequências catastróficas.”

Isso demonstra uma divisão interna que está espalhada pelo país e que pouco aparece na mídia. Talvez por este motivo, a Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF), também tenha feito questão de explicar em seu site, os motivos para que os policiais sejam contra a PEC e que são basicamente os mesmos já expostos acima.

Mas em quem acreditar?

Uma outra proposta de emenda pode dar uma pista: a PEC 361/16, em que a Polícia Federal “copiaria” o modelo do FBI. Neste caso, os papéis se invertem.

A associação dos delegados diz que a PEC 361, só serviria para aumentar os salários dos agentes e demais servidores. Já a federação dos policiais federais diz que a emenda tornaria a PF mais eficiente de forma geral, passando a funcionar nos mesmos moldes da polícia americana.

No caso da PEC 412, portanto, os policiais acusam os delegados federais de quererem gerir os próprios salários e intimidar o poder público, enquanto os delegados dizem querer apenas garantir que não haja possibilidade de interferência do poder executivo, através do Ministério da Justiça, no combate à corrupção.

No caso da PEC 361, que está parada no congresso, os delegados federais acusam os policiais e demais servidores de quererem aumentos ilegais, igualando artificialmente as duas categorias, enquanto os policiais afirmam que a Polícia Federal se tornaria mais eficiente ao adotar o modelo americano.

Observando as discussões por este ângulo, cabe perguntar se esta não seria apenas uma disputa por maiores salários no interior da própria PF. No entanto, não podemos tomar as coisas de forma simplista. Ambos os lados podem ter razão em alguns pontos e estar errados em outros.

Assim como também é possível que ambos os lados estejam errados, nenhuma das emendas sendo boa para aquilo que realmente interessa ao cidadão brasileiro. Já a possibilidade de ambos estarem certos não parece realista, já que as emendas propõe dois caminhos opostos para o funcionamento da Polícia Federal.

Seja como for, a única forma de decidir se alguém tem alguma razão nesta briga é lendo por conta própria os textos das emendas e as opiniões dos órgãos de classe em seus sites. Por isso, seguem abaixo todos os links referidos para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões, caso tenha tempo e paciência para ler todo o material.