Maioridade Penal

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O Brasil é um país com altos índices de criminalidade e violência. A própria polícia brasileira está entre as que mais mata no mundo. Nós só não estamos em pior situação do que países controlados pelos cartéis do tráfico internacional, afundados em guerras civis ou, ainda, do que aqueles controlados por facções religiosas ou ideológicas extremistas.

Por outro lado, apesar de todos os problemas, comparando apenas com o próprio histórico brasileiro, as coisas parecem estar melhorando gradualmente. Por mais violenta que seja a nossa sociedade atualmente, ela já foi muito pior.

Mas não é esta a sensação que temos. A sensação geral é de insegurança, de que a qualquer momento podemos ser assaltados, sequestrados e até mortos. Se o leitor é daqueles que gosta de assistir os programas policiais, então o mundo parece estar se acabando a cada dia que passa.maioridade penal

Dentro deste contexto, temos ainda alguns paradoxos. Um deles é que temos uma das maiores populações carcerárias do mundo e, mesmo assim, a percepção geral é que há impunidade para todos os tipos de crimes. Como isso é possível? Como podemos prender tanto, mas não acabar com a criminalidade?

Não é uma discussão fácil e, infelizmente, não há ainda uma resposta para o problema. O que existem são alternativas, muitas delas. Também há opiniões aos montes e para todos os gostos. Sendo que uma das discussões mais controversas é a redução da maioridade penal.

O que é maioridade penal?

O direito e, por consequência, o sistema judiciário, são regidos por alguns princípios gerais. Entre eles está a definição de uma faixa etária, a partir da qual se pode considerar um ser humano como adulto para fins de penalização criminal. Na maioria dos países, 18 anos é o ponto em que nos tornamos adultos legalmente.

Mas, por experiência, sabemos que há variações nesta regra. Por exemplo, para votar, 16 anos são suficientes no Brasil. Com 14 anos, já é possível assinar alguns tipos de contratos de trabalho em caráter de aprendizagem. No entanto, a maioridade penal no Brasil é de 18 anos. Ou seja, a partir desta idade, não há proteção legal para o indivíduo considerado culpado de qualquer crime.redução da maioridade penal

Antes disso, porém, ao invés do código penal, os jovens que cometem crimes só podem ser penalizados nas formas previstas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), embora a lei da maioridade penal esteja definida na própria constituição, segundo o artigo 228:

“São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

Ou seja, não importando o crime que possam cometer, não poderão ser punidos como os demais cidadãos. Para eles valem regras especiais que, em geral, têm caráter socioeducativo e a privação de liberdade é fixada pelo ECA como último recurso.

No entanto, alguns jovens cometem crimes “de adultos” e, naturalmente, muitos cidadão se perguntam porque não podem ser punidos de acordo. Um jovem dirigindo embriagado, sem carteira, que atropela e mata uma criança, deve ser punido como? Um jovem que estupra ou mata, que comete latrocínio, como deve ser punido?

É um questionamento válido e, justamente por isso, está em discussão há muitos anos a redução da maioridade penal.

Redução da maioridade penal no Brasil

Trata-se da PEC 171 de 1993. Sim, isso mesmo, uma proposta de emenda à constituição feita há mais de duas décadas na Câmara do Deputados. Os motivos para tanta demora são vários. Primeiro, a morosidade natural do processo legislativo brasileiro. Segundo, o fato de que existe uma espécie de consenso quanto à maioridade penal no mundo.

Como dissemos, na maior parte do mundo, 18 anos é a idade que encerra a menoridade penal. Mas isso não significa que não haja condições nas quais jovens com idades inferiores possam ser punidos como adultos. No Estados Unidos, por exemplo, é muito comum vermos jovens que cometeram crimes cibernéticos terem sua liberdade suprimida.maioridade penal no brasil

Em alguns estados americanos, até a pena de morte é aplicável dependendo do crime cometido. Também há exceções em outros países desenvolvidos da Europa, como a Alemanha ou a Suécia, entre outros. Ou seja, a diminuição da maioridade penal não é um problema em si mesmo.

Em outras palavras, não se trata de algo que não possa ser discutido e votado por princípio, mas sim algo cujo problema está no fato de estarmos no Brasil. Um país bastante injusto na aplicação de suas leis. Como dissemos anteriormente, temos uma das maiores populações carcerárias do mundo e nem por isso o país é um dos mais seguros.

E é neste meio, entre estas duas percepções da realidade, que as discussões se arrastam. A PEC 171/93 propunha que a maioridade penal fosse reduzida para 16 anos e foram sendo feitas várias ressalvas ao texto. Por fim, acabou aprovada na Câmara em 2015 e, desde então, está tramitando em comissão especial no Senado.

Vamos tentar entender melhor porque tanta controvérsia em relação à redução da maioridade penal, analisando prós e contras.

Reduzir a maioridade Penal: pelo direito de punir

Alguns dos argumentos a favor da redução da maioridade penal são extremamente contundentes, outros, são vazios ou circulares. Como em qualquer discussão que envolva temas polêmicos, é preciso separar o joio do trigo.

1. Se podem votar, porque não podem ser responsabilizados criminalmente como adultos? Este argumento considera que os jovens de 16 anos ou mais já têm consciência plena de certo e errado. Portanto, seria justo tratá-los como adultos. O problema é que os especialistas em desenvolvimento cognitivo não necessariamente corroboram esta ideia.

Jovens desta idade podem ou não estar plenamente conscientes dos significados e consequências de seus atos. Desta forma, simplesmente encarcerá-los pode ser pior do que utilizar punições alternativas, mas isso depende do crime, da personalidade individual e da eficácia do Estado em tratar adequadamente estes jovens.

2. Países desenvolvidos já adotam idades penais reduzidas, portanto, também podemos reduzir a maioridade penal. A favor deste argumento, digamos que, na maioria dos países desenvolvidos do ocidente, jovens podem ser punidos como adultos a partir dos 12, 14 ou 15 anos, dependendo do país e do tipo de crime.

No entanto, é preciso termos em conta que há uma razão para serem chamados países desenvolvidos. E não é pelo fato de poderem prender seus jovens, mas sim porque têm um longo histórico de aprendizado e de respeito aos direitos individuais, além de tratarem seus cidadãos de forma mais igualitária.

3. Os adolescentes sabem que não podem ser punidos e se sentem livres para cometerem crimes. Considerando a forma como a lei é aplicada no Brasil, talvez não sejam apenas os jovens a se sentirem livres. É claro que o aliciamento de menores por outros criminosos também deve ser considerado, mas até que ponto é a pena que inibe o crime?

Em outras palavras, saber que existe uma lei punitiva é diferente de saber que pode ser punido. Se a impunidade impera na sociedade, faz pouca diferença a existência de uma ou outra lei. A discussão é antiga, mas talvez seja mais importante impor as leis que já temos do que criar novas.

4. As medidas socioeducativas não são suficientes e, além disso, quando completam 18 anos, os infratores recomeçam do zero, sem histórico criminal. O tamanho das penas é uma discussão eterna. Afinal, qual a sentença ideal para um estuprador? 30 anos? Morte? Infelizmente não há uma medida reconhecidamente adequada e universal.

Agora, zerar o histórico realmente é uma falha. Principalmente se considerarmos que alguns destes jovens cometem crimes hediondos. Mas, novamente, é mais uma questão de ajuste no sistema do que de criação de leis.

5. A maioria da população é a favor da redução da maioridade penal. De fato, muitas pesquisas apontam que a população apoia a medida. Se isto é um argumento válido, entretanto, já é outra questão. Ou seja, não se pode usar o fato de ser a favor, para demonstrar que ser a favor está correto. É um raciocínio circular.

Enfim, há mais argumentos possíveis, mas cobrimos o básico. E se não fomos muito entusiastas dos pontos a favor, também não seremos torcedores dos pontos contrários. Vejamos alguns deles de forma crítica.

Contra a redução da maioridade penal: pelo dever de educar

Como são basicamente os mesmo pontos vistos de outro ângulo, tentaremos ser rápidos em nossas colocações sobre os argumentos contra a redução da maioridade penal.

1. O sistema prisional já não funciona adequadamente para os adultos, também não funcionaria para os adolescentes, apenas ficaria mais lotado. Este argumento é desolador, porque realmente o sistema não funciona e já está entupido. Simplesmente jogar mais gente no bolo não parece ser solução.

Por outro lado, é um raciocínio que desconsidera a obrigação do Estado de fazer o sistema funcionar. Ou seja, independente da questão da maioridade penal, as falhas do sistema prisional precisam ser corrigidas. E se fossem, estaríamos de acordo em colocar os jovens lá?

2. Os adolescentes não estão completamente formados e educá-los seria mais eficiente. Em princípio, sim, desde que excluídos os crimes hediondos. Considerar um jovem que rouba um item qualquer, da mesma forma que se considera um estuprador ou assassino, não parece adequado.

Mas, este argumento tem um obstáculo mais sério: a incompetência do Estado para lidar com o problema. O Estado tem o hábito de amontoar pessoas no sistema prisional e esquecê-las por lá, principalmente se forem pobres. Tirando isso, o raciocínio tem base científica.

3. A constituição determina a maioridade penal e não se pode mudar isto. Honestamente, ainda que seja uma cláusula pétrea (que não pode ser mudada), ela pode ser mudada. Querendo, como sociedade, revogamos a constituição e escrevemos outra no lugar. Não é simples, não seria feito apenas por esse motivo, mas, seria possível se assim quiséssemos.

A questão é muito mais a de decidirmos que tipo de sociedade queremos e como os jovens infratores se encaixam nela.