PEC 65

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PEC é uma sigla para Proposta de Emenda Constitucional. No caso da PEC 65, trata-se de uma emenda que pretende facilitar ou, até mesmo, dispensar a licença ambiental para obras públicas, dependendo das circunstâncias. De cara, temos um problema fundamental embutido nesta questão.

Digamos que existam basicamente três tipos de discussão: as inócuas, as que têm dois extremos válidos e as discussões que não são realmente uma discussão, mas que, por algum motivo, permanecem sendo tratadas como se fossem. As inócuas são discussões sobre o sexo dos anjos, não têm qualquer importância prática. Então, vamos diferenciar as outras duas.

As que têm dois extremos são aquelas discussões que envolvem dois lados com argumentos relevantes. Podemos dar como exemplo, o debate sobre o aborto. O tema envolve questões religiosas, éticas, morais, de saúde pública, entre outras. Em um caso como este, praticamente todo ser humano tem algo a dizer e existem duas posições extremas, a favor da escolha individual ou a favor da vida, ainda que embrionária.

O primeiro tipo é inofensivo, o segundo é extremamente importante porque determina como a sociedade deve funcionar. São questões que precisam ser debatidas. Já o terceiro tipo é, no mínimo, curioso, mas pode ser muito perigoso se levado a sério. Você deve conhecer vários exemplos, um deles é a “teoria da terra plana”, outro deles veremos ver a seguir.

Uma discussão importante: a questão ambiental

Uma das discussões que não podem ser assim chamadas é a discussão sobre a “farsa” do aquecimento global. Este tema não é uma discussão real, porque não tem a menor importância se um punhado de indivíduos não “acredita” no aquecimento. Só se torna um problema se todos os indivíduos deixarem de “acreditar” e, principalmente, os governos deixarem de se importar.

Os dados científicos mais confiáveis apontam que o aquecimento está ocorrendo. Temos certeza de que, se não somos a única causa, somos uma delas e também precisamos decidir o que fazer a respeito como espécie, não como indivíduos. Discutir se o aquecimento está ou não acontecendo equivale a discutir se o cigarro causa ou não câncer.pec 65

O que é importante discutir é como vamos lidar com o fato científico. Para tanto, todas as sociedades contemporâneas precisam participar, porque o problema é global. A maioria dos governos tem consciência disto. Não à toa, desde pelo menos 1992, tem acontecido encontros de lideranças mundiais para debater o tema. O Brasil sempre esteve incluso.

Legislação ambiental: os primeiros passos

As leis brasileiras que tratam das questões ambientais não são todas recentes. Desde pelo menos os anos 1910, existia a preocupação de se regular o uso do solo ou dos recursos naturais. Em geral, eram preocupações isoladas, ligadas a problemas muito específicos. Em 1937, entretanto, foi criada a lei do patrimônio cultural, que incluía o patrimônio natural “pela sua importância ambiental”, entre os itens que deveriam ser preservados pelo poder público.

Nos anos 1960, tivemos leis específicas para a proteção da fauna e da flora brasileiras. Nos anos 1970, uma legislação regulamentando a atividade nuclear e, nos anos 1980, uma explosão de leis para regulamentar as atividades humanas no sentido da preservação ambiental. A tendência se manteve nos anos 1990, até que em 1998, o dano ao patrimônio natural foi tipificado como crime.

Este processo reflete uma tendência mundial. Conforme o conhecimento científico avançava na percepção da fragilidade do nosso ecossistema, em todo o planeta, as sociedades ganhavam consciência da importância da preservação ambiental. O ritmo era lento, mas, progressivo. O grande impulso, veio com a crise dos gases CFC’s (utilizados em latas de spray e geladeiras) e depois, finalmente, com os indícios cada vez mais evidentes do aquecimento.

Embora estejamos falando de uma percepção global do problema muito recente, o conjunto legislativo ambiental brasileiro, por uma série de razões, é considerado um dos mais avançados do mundo. Mas a sociedade brasileira, os setores público e privado, não necessariamente são tão avançados quanto o texto legal.

Uma das regulamentações mais importantes que temos é a exigência de estudos ambientais para a execução de obras públicas e privadas. Dependendo do resultado destes estudos, uma obra pode ser autorizada ou proibida. São dois estudos conhecidos como EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e RIMA (Relatório de Impacto Ambiental). Hoje, sem estes estudos, nenhuma grande obra sai do papel. A PEC 65 tenta alterar alguns detalhes deste ponto.

O que é a PEC 65?

Como dissemos, antes de se iniciar uma obra, é necessário realizar estudos de impacto ambiental. Digamos que o governo do Paraná esteja para trocar uma das turbinas da usina de Itaipu. Uma operação destas, necessariamente, terá um impacto ambiental. A função dos estudos é determinar quais serão e, assim, permitir a fiscalização de forma a minimizá-los ao máximo.pec

No caso paranaense, o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), seria o responsável por analisar o EIA/RIMA. Atravessando um processo dividido em três etapas, se tudo correr bem, o IAP concede a licença ambiental. Porém, o mais comum é que este processo leve muito tempo. Principalmente porque o impacto ambiental é difícil de ser corretamente percebido. E mesmo que seja, é difícil minimizar suas consequências.

A PEC 65 altera as regras do jogo, introduzindo pequenas, mas importantes alterações nas diversas etapas do licenciamento. Em princípio, a emenda constitucional pretende mudar o processo de licenciamento, apenas para obras públicas, sob a justificativa de que o dinheiro público não pode ser desperdiçado e, portanto, não se deve criar atrasos, mesmo que a motivação seja a preservação ambiental.

Mas, o que muda com a PEC 65?

Da forma como foi apresentada, a emenda constitucional alterava três pontos importantes:

1. Hoje, é preciso apresentar os estudos e o órgão ambiental precisa aprová-los. Se a PEC for aprovada, basta que o estudo seja apresentado.

2. Hoje, o órgão ambiental pode suspender a licença ambiental caso encontre qualquer irregularidade na execução da obra. Uma vez aprovada a emenda, a licença não pode ser suspensa a não ser em caso de “fatos supervenientes” ao EIA/RIMA. O que significa, a grosso modo, algo não previsto no estudo inicial.

3. Hoje, em caso de problemas, o MP (Ministério Público) pode intervir, inclusive, com ações judiciais. Como o processo judiciário é lento, as obras podem ficar paradas por tempo indeterminado. Se aprovada a PEC 65, não será possível judicializar a questão.

Resumindo, hoje, os órgãos ambientais e o MP têm instrumentos variados para fiscalizar e controlar o impacto ambiental das obras públicas. Com a PEC, passam a ser observadores da obra. Podem questioná-la, mas não podem pará-la. Do ponto de vista do governo, esta mudança agiliza a execução de seus projetos. Do ponto de vista ambiental, honestamente, não sabemos.

Vamos retomar o exemplo de Itaipu. Se o governante daquele estado for responsável, vai fazer os estudos corretamente e indicar, detalhadamente, todos os possíveis danos ao meio ambiente. O problema, no entanto, é aquela palavrinha do item dois: “superveniente”. Traduzindo: como o órgão ambiental do Paraná não precisaria mais aprovar o EIA/RIMA, o governo faria o estudo e protocolaria. Automaticamente, poderia começar as obras. Se o governador, responsável, fez o estudo direito, incluiu todos os impactos no estudo.

E qual a única possibilidade em que o IAP, ou o MP do Paraná, poderiam intervir? Em caso de “fato superveniente”, não previsto no estudo de impacto ambiental. Em outras palavras, não importa se o estudo diz que todos os peixes da bacia hidrográfica irão morrer por causa da troca da turbina. O estudo não precisa ser aprovado, só protocolado.

Este foi um dos principais problemas identificados na PEC 65. De fato, os órgãos ambientais se transformariam em meros cartórios de obras públicas, embora nada fosse alterado com relação às obras privadas. De qualquer forma, o texto da PEC continua em tramitação, já foi alterado uma vez e pode ser alterado novamente.

PEC 65: uma discussão fora de foco

Toda esta discussão sobre a questão ambiental poder ou não parar uma obra pública, tira o foco daquilo que realmente importa. Primeiro, se existe um problema ambiental suficientemente grande para parar um obra, ela deve ser parada. Não importa o custo.

Por outro lado, se o que se está discutindo é que o processo de licenciamento ambiental é muito lento e burocrático, ou que a justiça é muito demorada para resolver os eventuais litígios, então o problema não está na questão ambiental em si, mas no processo administrativo e judiciário.

Em outras palavras, para resolver um problema de lentidão causada pela burocracia, a PEC propõe acabar com o licenciamento ambiental, não com a lentidão. É como ter um cavalo cheio de carrapatos e para resolver o problema, matar o cavalo. Talvez este seja um dos maiores entraves neste tipo de questão complexa. Mesmo os políticos não estão preparados para discuti-las.

Fica a impressão de que se sentem impotentes para atacar o problema de fato. Aparentemente, a população percebe este fato, ou percebe que a questão ambiental é importante, porque a impopularidade da PEC 65 é bastante alta. Isso fica claro na pesquisa de aprovação do próprio Congresso. Neste momento, são mais de 30.000 pessoas contra e apenas 300 a favor.